Localizada no interior pernambucano, Caruaru tem suas raízes profundamente ligadas à sua feira tradicional, que remonta ao século XVIII. O município viu sua história se desenvolver em torno dessa feira, que se tornou um importante ponto de encontro para trocas comerciais e culturais na região. Os caruaruenses, ao longo dos anos, desenvolveram um espírito comercial e empreendedor que está profundamente enraizado em sua identidade. Esse DNA empreendedor continua a influenciar a vida econômica e social da cidade até os dias atuais, refletindo-se em uma variedade de negócios locais e iniciativas empreendedoras que contribuem para a vitalidade e o dinamismo da comunidade.
Conforme Caruaru ia se desenvolvendo, empreendedores começaram a perceber as demandas locais e a abrir seus próprios negócios em uma ampla gama de setores comerciais. Exemplos notáveis incluem a icônica Estudantil (in memoriam) e a Livraria Dom Bosco, concorrentes locais que resistiram ao tempo, assim como a Casa do Chapéu e a Chapelaria Brasil, ainda em pleno funcionamento. Além disso, destacam-se estabelecimentos históricos como a Maronord Magazine e a Loja das Bicicletas, esta última localizada próxima à Praça do Rosário, com seu Papai Noel pedalando em um monociclo no alto da fachada, uma tradição de fim de ano que perdura na memória de alguns caruaruenses até hoje até hoje.
Estão em obras nesse momento mais dois grandes mercados varejistas de porte: Mix Mateus e Novo Atacarejo. Com duas unidades na cidade, a rede de supermercados Mix Mateus tem uma loja em construção na Avenida Portugal, no bairro Universitário e outra na Avenida Leão Dourado, no bairro Caiucá. Com a chegada do Grupo Mateus a Caruaru serão investidos mais de R$ 100 milhões e isso deve gerar cerca de 1000 novos postos de trabalho para a região. Outro empreendimento de porte que foi anunciado desde outubro do ano passado, o grupo Novo Atacarejo também está com obras em andamento para a instalação das primeiras unidades, o que acarretará na existência de três lojas do grupo na cidade em questão. O que acontecerá com a cidade que já tinha grandes companhias do segmento como Assaí e Atacadão? Será que tem demanda para todos esses titãs do segmento? Empreendimentos desse porte geralmente são vistos com bons olhos pela população, afinal gerar emprego e renda, trazer mais arrecadação para os cofres públicos, e ofertar mais uma opção para as compras da semana dos moradores de Caruaru e região são alguns dos pontos positivos decorrentes da chegada desse varejista. Mas será que isso é tão bom assim? A chegada de empreendimentos dessa natureza gera impactos econômicos, urbanísticos e sociais que iremos analisar a seguir.
Como pontos positivos, podemos elencar que os grandes mercados geralmente oferecem uma ampla variedade de produtos em um único local, proporcionando aos consumidores uma maior conveniência e escolha. Com a diversidade vem também a competição entre esses atacarejos que muitas vezes leva a preços mais competitivos, o que pode beneficiar os consumidores com economias significativas em suas compras, além de gerar empregos locais, tanto diretos (como caixas, estoquistas e gerentes) quanto indiretos (em setores como transportes, alimentação e logística). O fator relevante em relação ao desenvolvimento econômico é poder atrair investimentos adicionais para a região, estimulando o crescimento de outras empresas locais, e urbanisticamente falando é positivo que bons terrenos e boas localizações passem a ter algum uso dentro da cidade, pois além de diminuir os vazios urbanos que geram insegurança e criminalidade, darão vida a espaços ociosos que tem já toda uma infraestrutura de água e saneamento, rede elétrica, e transporte público passando na porta.
Assim como tudo na vida tem dois lados, há também impactos negativos com a chegada de grandes empreendimentos, como afetar os pequenos negócios locais que podem lutar para competir com os preços e a variedade de produtos oferecidos pelos gigantes do varejo. O enfraquecimento dos comércios de bairro interfere ainda na vitalidade dos bairros e na mobilidade da cidade como um todo, gerando menos deslocamentos, uma vez que não preciso ir para longe se tenho os produtos ao alcance das pernas, a 15 minutos da minha casa, por exemplo. A chegada de grandes mercados pode levar ao fechamento de empresas locais, especialmente aquelas que não conseguem competir com os preços, e podem promover ainda certa padronização de produtos e serviços, pois tem poder de fechar as portas para determinados fornecedores, reduzindo a diversidade e singularidade do comércio local.
Ainda como conseqüência desagradável da expansão de grandes mercados pode resultar em um aumento do tráfego de veículos, inclusive vindos de cidades vizinhas e na degradação ambiental devido à poluição gerada por esses deslocamentos, além do aumento do consumo de energia e produção de resíduos das embalagens dos produtos consumidos pelos clientes. A presença dominante de grandes mercados pode levar à concentração de poder econômico nas mãos de poucas empresas, o que pode ter efeitos negativos na economia local e na competição do mercado.
A repercussão urbana no trânsito também é preocupante, pois a quantidade de veículos de pequeno e grande porte aumenta assustadoramente pelo entorno dessas empresas intensificando o fluxo de veículos nos arredores e até no bairro como um todo. Será que há uma preocupação do poder público local com esse tipo de demanda antes de autorizar o início das obras ou de emitir o alvará para esse tipo de empresa? O saneamento, a rede elétrica, de esgoto e hídrica vão dar vencimento da nova demanda?
Grandes empreendimentos precisam ser bem analisados antes de serem aceitos, e são bem-vindos desde que equacionem essas e outras questões relativas à cidade e à sociedade na qual se inserirão, de modo que eles venham não apenas explorar financeiramente as cidades, mas contribuir positivamente para o desenvolvimento dos entes envolvidos no processo.
Rodrigo Lucas
Arquiteto, urbanista e professor universitário.
@rodrigolucasarquitetura