A expressão “rouba mas faz” ficou conhecida pela exaltação de lideranças políticas que, mesmo com uma série de condenações, acusações de colocar a mão no dinheiro do povo ou indícios da prática de corrupção, mesmo assim possuem grande acolhimento popular, como foi o caso do famoso político Ademar de Barros, que apesar de várias acusações de seu pouco respeito com o dinheiro do povo, mesmo assim gozou de toda popularidade e apreço por partidários de viés progressista.
A figura de Ademar é apenas um símbolo da amável e futebolística sociedade brasileira, afinal, aquele sentimento da “mãe” que defende o filho de olhos fechados, independente do que ele fez, encontra na política igual e perigoso comportamento, ocorre que, uma mãe cria vínculos emocionais considerados transcendentais, o que a torna perdoável quando ela defende a sua cria, mesmo que de forma equivocada, já nós, quando “passamos pano” para nos nossos corruptos de estimação, declaramos o nosso amor pelo “rouba mas faz” ou “rouba mas é boa pessoa”.
Entendam que, as relações familiares estão na esfera privada e que só nos dizem respeito quando são danosas aos seus membros ou à sociedade, no entanto, a corrupção sempre nos diz respeito, pois decorre do uso indevido do dinheiro público, seja para benefício pessoal, de um grupo ou para um fim que não seja o interesse público, gerando sempre impactos negativos para a sociedade, que vão desde uma gestão pública ineficiente, leis inúteis, “políticas públicas” com prazo, educação em frangalhos, ruas esburacadas, pessoas mortas em filas de hospitais, e principalmente a corrupção depreda nosso senso crítico e moral.
A título de exemplo, em 2005 vemos acusação e posterior condenação de vários petistas do núcleo central do governo lulista em virtude do “Mensalão” (uso de dinheiro público para compra de votos de deputados), posteriormente presenciamos o “boom!” da Lava Jato, onde marketeiros das eleições de 2010 e 2014 fazem delação apontando que trabalharam em campanhas com dinheiro público repassado por via ilícita pelas construtoras contratadas pelo governo federal, mesmo assim o TSE falou que tá ok. Em paralelo, temos vários históricos de governadores, senadores, deputados, prefeitos, vereadores, flagrados com dólar na cueca, guardando malas de dinheiro em prédios, fraudando licitações, criando “laranjais”, superfaturando compras, e pior, agradando nossos ouvidos com verdadeiros “cantos de sereia”, nutrindo estomago, vaidades, necessidades, vazios principiológicos e ideológicos.
Mais recente, temos o Presidente Bolsonaro declarando que “acabou a corrupção”, criando o clima de saída do ex-ministro-juiz Sérgio Moro, indicando Procurador Geral da República que enfraquece a Lava Jato, indicando ministro Kássio Nunes favorável a licitações questionáveis de lagosta para o STF, vetando trechos importante do pacote anticrime, sendo alvo de uma “CPI da Pandemia”, onde faz pressão para não ter seus “erros” expostos, e que terá como relator algoz o Senador Renan Calheiros, também alvo de uma série de acusações de corrupção, podendo inclusive dar parecer sobre seu filho governador com total “imparcialidade”.
Não parou ainda, afinal ainda assistimos estarrecidos ou não, o Ministro Ricardo Lewandowski do STF apontando o combate à corrupção da Lava Jato como se fosse um mal maior que a própria corrupção, mesmo cenário que ainda conta com Gleisi Hoffmann (presidente do PT) afirmando no dia 24/05 que no governo petista não houve corrupção na Petrobrás, além de fazer coro da inocência do ex-presidente quando este ainda não conseguiu refutar as acusações, apenas logrando existo processual de anulação dos trabalhos do judiciário contra ele. Uffa!
O que isso tudo importa para parte da sociedade? Nada! Afinal, nossa corrupção de estimação, ganhou nosso coração e intelecto, seja pelo apreço ao maléfico “jeitinho brasileiro” como nos alerta o Ministro Barroso, descrédito em achar que nada poderá mudar, inércia frente a uma mal sistêmico, mas que não é exclusivo do Brasil, crescimento de um individualismo egoísta (redundante) camuflado pela frase “cada um faz o seu e sozinho ninguém muda nada”, equiparação do dinheiro público com a livre gestão do dinheiro privado, não percepção que a falta de ética gera impactos além do que vemos, banalização do mal que é a corrupção em virtude do que podemos conquistar socialmente através dos supostos corruptos, justificação dos absurdos com base nas ideologias distorcendo a realidade corrupta para dar uma aparência ética ao que não deveria existir, mentes “pensantes” respaldando corrupções pensadas em virtude dos ganhos sociais, afirmando se contrapor ao erro com um outro erro dito “necessário”.
Como um respiro, não quero aqui adentrar na corrupção doméstica e cotidiana, mas não, não somos manada, não somos massa, não somos lados, Princípios, Dignidade, Ética e Honra não são palavras abstratas, podem sim ser perseguidas em sua totalidade, e seja uma criança ou idoso, dono ou dona de casa, trabalhador, rico ou pobre, a posição individual contra a corrupção pode sim representar ao menos manifestação de dignidade e respeito consigo e com o interesse público, não nos rendendo à herança sentimental de apreço a pessoas que matam pessoas pela via da corrupção.
Trago por fim um questionamento se, hoje nossa anestesia à corrupção representa uma ausência de pensamento ou um pensamento já corrompido?
Caio Sousa
Professor Universitário de Ciência Política e Direito Constitucional, Advogado, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, Pesquisador no grupo “Cidades Transparentes” do Labô PUC/SP,
Ótima análise!👏🏼
Pensamento já corrompido, como você sempre destaca; estamos diante da banalização da ética e moral em detrimento do bem em comum. É deprimente.