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ARTIGO: Desfazeres avulsos.

Se o século XX foi de vez enterrado com a morte de Fidel Castro, o século XXI tem início com a pandemia da COVID 19. O assombro de uma pra com suas luzes apagadas. Vivemos nesse ano não apenas o trágico drama de incontáveis mortes ocasionadas pelo vírus, mas, desaceleração econômica resultando em desemprego, intensificação das desigualdades sociais, violências domésticas e um surto intenso de adoecimento mental. É possível afirmar que desde o fim da Segunda Guerra com o horror nazista e a bomba atômica, o medo nunca nos aterrorizou tanto, as contradições sempre estiveram presentes: estupidez, desmantelos, violências anônimas. Mas a praça nunca nos pareceu tão melancólica.

Lançar-se ao futuro nos parecia uma grande adivinhação! A cidade se alargou mais ao lixo do que ao luxo e medidas foram necessárias, é esquisito, mas a vida tem nesses dois últimos anos desfilado de pés descalços no asfalto quente. A aridez faz parte da História! Paramos por um instante na busca incessante por sermos felizes com ideais de progresso a todo custo para enfrentar as dificuldades.

Mas, como em meio a tudo isso não sucumbimos a euforia e a tristeza deste momento? Como ficamos fora do story? Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP Universidade de São Paulo e psicanalista, disse recentemente em entrevista concedida a CNN Brasil que ” Felicidade tem a ver com viver intensamente o presente, para o bem e para o mal, com seus dias de pesar e gravidade, com os que estamos passando agora. Tem menos a ver com expectativas e mais com a realidade”.

Os tempos são difíceis e todos estamos vulneráveis. Como estamos vendo a felicidade? Apenas um instante a ser atingido? É certo que nesse entremeio, o Reino da Mercadoria é poderoso e vigia até mesmo aquele que busca mais leveza. Para que fim o utilizamos? Nos diz Machado de Assis que ele não traz felicidade se não sabemos emprega-lo bem.

Do contrário, antipatiza com os afetos e alicia ambições desmedidas manobrando a própria imagem de Deus. É preciso tentar entender que a História tem novos lugares e novos Tempos, as psicopatias não cessam, o medo não se vai e a Indústria promete cada vez mais milagres. O desamparo se infiltra na solidão da grande cidade com seus becos escuros e a miséria destrutiva de charlatões, mas, a porta não está fechada! Apenas entre aberta de onde saem raios de luz, é preciso não se esgotar e empurra-la na busca das travessuras do sonho. Mas a História nunca foi Destino! E por isso mesmo escrita sob malabarismos… E o vírus? É difícil saber. Há muitas surpresas na história, portanto, não podemos dominar seus atropelos. Mas, as narrativas do passado nos trazem deuses e mitos avisando-nos que tudo se repete, apesar, muitas vezes da ciência e da arte. Em sendo assim o que nos parecia uma novidade, talvez nos seja um grande disfarce.

Mas é impossível não sonhar. A imaginação deve fazer-se sempre perto e nos empurrando, mas não na criação de geometrias e tecnologias com fabricações de um mundo em total equilíbrio. As ideias de progresso, a depender de quem se confundem, as dificuldades são incessantes, mas, jogar fora a esperança é suicídio. As pedras podem interromper o caminho, mas não os sonhos, nem a sorte, tão pouco o azar. A vida não é um calendário fixo.

Mas, como nos diz Espinoza em “Da origem e da natureza das afecções”: “Aceitar que nosso destino é só nosso. Que nossa tristeza ou alegria dependem de nós mesmos”. Isso segue o conceito grego que era: “Um instante de vida que vale por ele mesmo”.

Isso não significa impor um otimismo desmedido e ingênuo. Afinal, se o fizéssemos, estaríamos colocando a criação de Deus sob suspeição ou transformando-a em um conto de fadas negando a salvação. Fomos feitos para o Eterno!!! Isso significa que a História se repete em tropeços e novidades, sonho, tédio e um mundo por vezes instável. Mas a magia está na felicidade não como um produto ou estágio alienante comercial ou mesmo religioso. Não é uma caixa que aberta encontram-se o que queremos, mas, para concluir com Machado de Assis, a vida é um par de botas.

Emerson Barbosa
Professor. Mestre em Historiografia brasileira pela UFPE. Colunista do Pesqueira Notícias e Paranhana Literário RS.

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