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Fundão e a união estável com o Centrão

Nas duas últimas semanas temos acompanhado a saga do Fundão Eleitoral, onde em meio à votação da Lei Orçamentária de 2022 (lei que estima receitas e fixa as possíveis despesas do governo federal), nos chamou atenção a maioria dos deputados terem aprovado proposta que trazia previsão da “singela” quantia de 5,7 bilhões de reais para o fundo eleitoral, ou seja, estimativa de quanto os partidos e seus candidatos poderão utilizar nas suas campanhas políticas de 2022.

De início, a imprensa regular alardeou o fato, afinal, como em tempos de pandemia, onde muitos perderam o emprego e a população em situação de rua só faz aumentar, os nossos deputados aprovam a perspectiva de bilhões para nos convencer a novamente votar neles? Realmente é inacreditável, inaceitável e criticável, mas é importante colocar cada coisa no seu lugar, vejamos:

É fato que deputados da oposição ao governo (PT, PSB, PC do B, PSOL, PDT etc.), não votaram contra a ampliação do fundão, não houve uma votação específica sobre esse item, o que ocorreu foi a votação do orçamento para uso do governo federal em 2022, e sobre esse orçamento, a oposição sempre acaba votando contra, como votou, seja lá quem for o presidente ou os seus opositores, no caso, temos apenas o partido Novo, que desde fevereiro de 2019 já apresentou inclusive Projeto de Lei para acabar com o fundão (PL nº. 14/2019) ou poder destinar recursos do Fundo Partidário para educação, saúde e segurança (PL nº. 15/2019), no entanto, os demais partidos não gostam da ideia.

Ainda sobre a oposição parcelada entre muitos que só gritam, mas no fundo querem se beneficiar, relembramos que também em 2019, no dia 17 de dezembro, se discutiu em separado o valor orçamentário para o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), circunstância em que PT e PSL, maiores partidos da câmara se uniram em prol de um aumento do fundão de R$1,7 bilhões para R$ 3,8 bilhões, ou seja, uma proposta de aumento de R$ 2 bilhões, conseguindo o apoio de PP, MDB, PTB, PT, PSL, PL, PSD, PSB, Republicanos, PSDB, PDT, DEM e Solidariedade que chegaram ao final em R$ 2,034 bilhões, mesmo com oposição dos partidos Podemos, Cidadania, PSOL e do partido NOVO que defendia inclusive redução, tudo num ano onde a maioria dos deputados foi favorável inclusive a usar dinheiro público do fundão para pagar multas eleitorais, ou seja, nosso dinheiro para pagar penalidades de ilícitos por eles praticados.

Já do lado da base de deputados do governo Bolsonaro, temos um episódio caricato, qual seja, deputados que votaram no pacotão da lei orçamentária e disseram ser contra o aumento do fundão, mas que votaram a LOA/2022 para que o governo não ficasse inviabilizado sem orçamento, o que acredito de forma pontual, afinal é papel da base do governo viabilizar que lei orçamentárias sejam aprovadas para que o governo possa realizar despesas em tempo.

Ocorre que, a previsão do fundão não caiu na LOA de paraquedas, afinal, é um projeto de lei de autoria do Poder Executivo, e que pode sofrer alterações no congresso pelos deputados, mas a aprovação de algo enxertado em uma lei tão relevante, certamente não partiu de uma assinatura da oposição, não é algo de se passar desapercebido, e nos traz a clara percepção de que: ou o governo e deputados governistas ligados ao presidente sofrem de inaptidão parlamentar de jogar o jogo segundo sua pregada visão, ou temos uma falsa narrativa de que seriam contra o fundão, ou o governo não é mais um núcleo tão separado e está cada vez mais rendido à sua união estável com os partidos do centrão.

O cenário se mostra ainda mais agravado quando vemos o Presidente Jair Bolsonaro incomodado com a avalanche de críticas ao fundão e pressão pela vedação de sua ampliação, no calor costumeiramente eleitoreiro da emoção, afirmou que iria vetar esse aumento, palavras ditas por quem esquece que, mesmo não estando casado, aprofundou relações e querendo ou não, constituiu união estável com uma gama de partidos menores sedentos por mais recursos de campanha, o que beneficiará sua base política e contará com o silencio da oposição de esquerda tão afeta ao uso de dinheiro público para fazer campanha eleitoral.

Bolsonaro, em meio à enxurrada de pedidos de impeachment (algo normal no Brasil) e às suas relações partidárias comuns à velha política brasileira para se manter no poder, já cogita não vetar o valor todo, existindo indicativos para um possível aumento para R$ 4 bilhões, e não mais os 5.2 bilhões aprovados, revelando assim que, o veto por pressão popular, tem menos peso do que o risco de perder sua base e apoio político partidário, rendendo-se o presidente, mais uma vez, à quebra de suas panfletárias bandeiras políticas, abraçando-se com o centrão da mesma forma que os ex-presidentes brasileiros fizeram, o que não seria estranho no Brasil, lembrando desde já que, união estável se dissolve e o regime de bens é comunhão parcial, ou seja, metade de tudo ao longo da jornada da relação deve ser dividido de igual forma, mas quem de fato ficará com os bens mais valiosos? Já vimos que no Brasil essa relação sempre é pela tomada do poder, mesmo que só de bastidores.

Lembro que esse tema do fundão eleitoral, está em alta hoje, mas no geral já já desaparece, é uma temática muito distante da compreensão do grande eleitorado, e que dificilmente é explorada pelos partidos tradicionais e fisiológicos, afinal, governistas e a maioria dos oposicionistas se beneficia da lógica do sistema de se auto alimentar com dinheiro público e da ignorância das pessoas quando não entendem esse tema do financiamento de campanha, ignorando nossa participação nessa união estável, que sempre começa com a nossa autorização através do voto, mas sobre o nosso dinheiro para campanha, são eles que resolvem por nós, afinal, nessa união estável estamos mais para os amantes que não participam da divisão dos bens e que sempre são ignorados quando o assunto não é voto.

Caio Sousa
Professor Universitário, Advogado, Mestre em Ciências Jurídico Políticas, Especialista em Direito Municipal, Membro da Comissão de Direito Parlamentar da OAB/PE, Pesquisador do grupo “Cidades Transparentes” do Labô da PUC/SP.

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