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Privatização da qualidade de vida

À medida que as cidades crescem, acontece muito de se perder uma tranquilidade que quase sempre era proveniente de um transito menos agitado e, por conseguinte, ruas mais sossegadas, crianças brincando na rua, idosos nas calçadas vendo a vida acontecer na vizinhança. As novas gerações cada vez menos estão acessando as ruas livremente à medida que os bairros vão ficando mais movimentados, de modo que essas cenas de idosos e crianças nas calçadas estão cada vez ficando nas periferias e setores menos comerciais dessas periferias.
Sabe-se que as novas tecnologias cada vez mais prendem nossas crianças em casa ou em frente a uma tela e esse é um dos motivos delas não estarem tanto nas calçadas e parques como antigamente. Outro argumento é que estar fora de um espaço privado é inseguro, e em função disso todos aqueles que tem alguma condição financeira se tranca nos condomínios, clubes, e outros espaços quase sempre com guarita, segurança e cerca elétrica.
Falando um pouco de atividades físicas, existem as modinhas e uma diversificação dessas atividades, de modo que quem gosta de se mexer tem sempre uma nova maneira de fazê-lo, fazendo assim girar o segmento de mercado voltado ao fitness, que está sempre buscando conquistar novos adeptos e diversificar os modelos de negócio, de modo que eles possam fazer sucesso e serem replicados em outras cidades. Em algumas cidades Brasil afora, está na moda o Beach Tênis, ou BT, que tem movimentado sobretudo as noites e os finais de semana em cidades predominantemente não-litorâneas e de um certo poder aquisitivo. As arenas de BT são geralmente frequentadas por pessoas que curtem suar ao ar livre e o espaço atende muito bem a crianças e adolescentes, o que leva a contemplam famílias inteiras nesse entretenimento.
Outros dois segmentos que não param de crescer já há alguns anos são os espaços voltados para a prática de treino funcional e crossfit, que exigem uma boa resistência aeróbica e muscular para quem os pratica. As academias de bairro pouco a pouco estão fazendo ampliações nos seus espaços físicos para atender esse público-alvo, que antes se satisfazia com o levantamento de pesos e algumas atividades aeróbicas. Um outro esporte com cada vez mais praticantes é o futebol society que tem cada vez mais arenas e espaços voltados a ele. O crescimento dos campinhos de society gera também um crescente no quantitativo de escolinhas de futebol onde a criançada empolgada é levada a sonhar com um possível futuro promissor no futebol profissional.
Você pode estar pensando que todas essas atividades físicas são muito divertidas e atraentes para quem quer ter uma boa qualidade de vida, e nisso concordamos com você. Uma das questões que gostaríamos de provocar com esse escrito seria analisar: é necessário pagar para ter qualidade de vida? Será que realmente só posso ter lazer em espaços privados de nossas cidades? Como seria possível democratizar mais a qualidade de vida para que ela chegue à maioria da população de nossas cidades?
Cada novo entretenimento, como o Beach Tênis, traz em si uma novidade cultural para a localidade onde ele está inserido, e toda mudança cultural é possível desde que seja promovida por um novo equipamento, no caso, as arenas de BT. No início todo mundo achava um pouco estranho, pensava ser um campinho de futebol de areia, mas eis que era uma novidade cultural. E pouco a pouco a ideia vai ganhando adeptos e passa a ser muito bem recebida. Se na esfera privada é possível criam uma nova cultura, por que não o fazer em um espaço público?
Me preocupa bastante ver cada vez mais pessoas cada vez mais trancadas em espaços privativos e o espaço público, quase que por consequência disso, sendo sucateado ou pouco frequentado por uma grande parcela da população. Com as atividades físicas, culturais e sociais se desenvolvendo cada vez mais em ambientes fechados, está acontecendo pouco a pouco uma grande privatização da qualidade de vida, e de modo consequente, uma grande segregação da sociedade, dividindo-a entre quem pode e quem não pode pagar por alguns serviços e benefícios. Não vivemos em cidades tão violentas assim que justifique tanto trancafiamento de nossas atividades com o argumento de que é mais seguro viver em ambientes fechados, com cercas elétricas, câmeras de vigilância e demais sistemas de segurança.
Sempre acreditei na força e na vitalidade dos espaços públicos desde que sejam ocupados pelas pessoas e isso gera afeto e empatia por esses locais, tornando-se assim lugares. Lugar é quando o espaço físico passa a ser apropriado pelos usuários, e esse conceito se aplica seja a ambientes públicos ou particulares. Porque a maioria dos gestores públicos não fomentam mais outros tipos de experiências nas nossas cidades? Defendemos que os centros urbanos têm muito potencial para experimentação e isso pode mudar a cultura de qualquer município.
Poderíamos oferecer aos munícipes de uma determinada localidade a oportunidade de praticar Beach Tênis ou Crossfit em espaços públicos. Os espaços públicos poderiam ser referências de iniciativas em prol da qualidade de vida e propiciar que moradores periféricos tenham práticas esportivas da atualidade. Certamente essas vivências tornariam seus usuários pessoas mais felizes e motivadas ao trabalho ou às suas rotinas, quaisquer que sejam elas. Porque precisamos pagar para ter acesso a alguns benefícios? Parafraseando o cantor Marcelo Jeneci, afirmo com convicção que “o melhor da vida é de graça” e por estar aí diante de seus olhos e ao alcance de todo mundo.

Rodrigo Lucas, Arquiteto e Urbanista
@rodrigolucasarquitetura

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