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Voto auditável ou cortina de fumaça?

A grande maioria das polêmicas da política nacional são regadas de muita desinformação, além de ódios e paixões politiqueiras. O “voto impresso” é uma dessas questões, que ganhou força em virtude do seu garoto propaganda, o presidente Bolsonaro, e encontrou reforço midiático na oposição de políticos anti-bolsonaristas e alguns veículos de comunicação que propositalmente ou não, só tratam da questão pela metade. Bolsonaro, seus apoiadores e opositores políticos ou midiáticos provocam um desserviço à democracia ao deslegitimar o processo eleitoral ou desinformar sobre seu possível aprimoramento.

Inicialmente, não se discute forma e processo eleitoral descredenciando o modelo existente ou invalidando possíveis resultados do uso da urna eletrônica atual no passado ou no futuro, visto que, a legitimidade e validade das eleições deve estar atrelada ao respeito pelas regras atuais do “jogo”, enquanto estas ainda forem válidas, onde qualquer mudança no modelo eleitoral deve partir de uma construção gradativa de diálogos, estudos, alterações legislativas, testes, correções de problemas, mensuração dos desafios, mas nunca de um discurso impositivo e atentatório à dinâmica de escolha democrática em vigor.

Nesses termos, o Presidente Bolsonaro faz um desserviço ao aprimoramento da democracia, quando já anuncia possível “fraude” nas futuras eleições caso não se adote a possibilidade de voto em urna eletrônica auditável pela via impressa, discurso este problemático, temeroso e em tom de ameaça, afinal, espera-se de um presidente e possível candidato, o respeito às regras pelas quais foi eleito ou pretende se candidatar, bem como garantia de estabilidade democrática sem risco de quebras da ordem institucional.

No entanto, a existência de um clamor social por ampliação dos mecanismos de transparência não só do preparo de urnas eletrônicas, mas verificação se o resultado emitido por estas corresponde ao efetivamente depositado por seus eleitores, é uma pauta legítima, não politiqueira, que merece sim contínua discussão, como já ocorre em várias universidades do mundo, e que não pode ser alvo de aplausos ou críticas acéfalas por ter sido politizada e reduzida a tom de ameaça pelo presidente.

O voto auditável, não é você votar e sair com o papel dizendo em quem votou levando um comprovante, mas no caso hoje tratado no Brasil, dentre as possibilidade de auditoria, trata-se da possibilidade de verificação impressa do que foi digitado e depois transmitido pelo sistema, possibilitando em alguns casos o eleitor verificar a impressão com o voto não identificado, onde constam os votados, data e horário do voto, e posteriormente esta impressão ser depositada automaticamente em uma urna paralela para auditoria caso a fidelidade das informações da votação sejam objeto de questionamento. Atualmente as urnas imprimem um relatório geral antes e depois da votação, constando o total de votos arquivados na urna eletrônica no começo e no final do dia de votações.

Entendo que não é uma pauta para ser implantada em 2022, não temos tempo suficiente para amadurecer essas questão junto à população e ao congresso, bem como para ponderar um aprimoramento de tecnologia e mensurar sua segurança e eficiência a toque de caixa, afinal, antes de 1996 a validade das eleições não estava condicionada à adoção de uma urna eletrônica, mas este veio para sanar morosidade e reduzir fraudes antes percebidas nos votos escritos, da mesma forma que futuras eleições não podem já ser desmerecidas pela adoção ou não de um aprimoramento das urnas até então bem exitosas em seus trabalhos.

Apenas a título de conhecimento, segundo TSE, mencionando dados do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral Internacional (Idea), o Brasil se soma a cerca de outros 46 países no uso da urna eletrônica, no entanto, a maioria desses utiliza de equipamentos eletrônicos de forma parcial juntamente com outros meios de votação ou conferência do voto, e apenas Brasil, Bangladesh e Butão usam urna eletrônica sem possibilidade de auditar se os dados transmitidos na apuração são de fato dos votos lá digitados.

Me assusta a pequenez como o tema do voto auditável é tratado, por vezes comparando a retrocessos tecnológicos na esfera doméstica, como telefone fixo, quadro de giz, envio de carta e etc, ou em tom de única solução para a validação da democracia, extremos opinativos que não passam pela reflexão, e que compram a narrativa bolsonaristas que se falar bem politizando o consumo de chocolate criará um “mar de chocólatras” ou resultará na queda odiosa da venda desse doce. É importante ir além desse fla flu.

Auditar eleições, contas públicas, contratações, uso de cartões corporativos, nomeação e trabalho de servidores, auditar a atuação do Estado no Executivo, Legislativo e Judiciário, não deve ser um temor justificado politiqueiramente com argumentos como eficiência e economia nunca praticados pelos poderes, deveria sim, ser um desejo de todos os que entendem que a transparência não significa ficarmos reféns de modelos que dão certo, mas a continua possibilidade de aprimoramento dos mecanismos de fiscalização do que se faz e como se faz.

Com a defesa de eleições por meio urna eletrônica com votação auditável pela via impressa, Bolsonaro, com seu tom de descrédito e “ares de ameaça”, criou a tempestade perfeita, ou melhor, uma cortina de fumaça, ofuscando a decadente CPI da Covid-19, reagrupando apoiadores nas manifestações de rua, se indispondo com ministros do TSE, e descredenciando debates relevantes, mas que são por ele utilizados, seja para justificar uma possível derrota em 2022 ou para ampliar o descrédito institucional e a democracia problemática de nosso país. Lembro, o debate da democracia e seu aprimoramento, não deve ser um debate de bolsonaristas versus anti-bolsonaristas, mas deve transcender a pequenez dessa polarização.

Caio Sousa

Professor Universitário, Advogado, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, Membro da Comissão de Direito Parlamentar da OAB/PE, Pesquisador do Labô da PUC/SP.

2 comentários em “Voto auditável ou cortina de fumaça?”

  1. Excelente texto, Caio!

    Senti falta, apenas, da discussão sobre o custo para implementar o “voto impresso”!

    Estamos numa grande crise de saúde, econômica e humanitária e seria muito dispendioso a troca do atual modelo eleitoral.

    Quem ganharia dinheiro, muito dinheiro, com o “voto impresso”?

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