Um dia desses comecei a me questionar sobre a necessidade do uso diário do carro como praticamente a única forma de me deslocar de casa para o trabalho no meu dia-a-dia. Depois de pensar muito e movido por essas e outras inquietações, resolvi pegar uma bicicleta emprestada para vivenciar a experiência de passar um dia todo sem usar carro. Por acaso era justamente um dia 22 de setembro, data comemorativa do “dia mundial sem carro”, onde muitas pessoas deixam de usar o carro para estimular outras pessoas a refletirem sobre a real necessidade do uso, excessivo, do automóvel no cotidiano.
No trajeto até o centro da cidade passei por alguns colegas de pedalada que pareciam estar imbuídos do mesmo espírito de sair de casa sem carro naquela data, pois assim como eu usavam roupas de quem estava pedalando a caminho do trabalho e não a passeio. Esse dia, por diversas razões, foi muito especial para mim, pois decidi que iria me esforçar para fazer disso uma rotina, e após umas semanas, ir ao trabalho e a outros itinerários com a bicicleta passou a ser “normal”. Havia tentado viver essa experiência até então inusitada por várias vezes, e depois de muito adiar por inventar as desculpas mais variadas, eu, decidido e seguro, resolvi: hoje vou de bicicleta! Por minha formação profissional, arquiteto e urbanista, sempre fiz uso da criatividade na minha vida, e os questionamentos que me fazia eram os mais imaginativos: onde estacionar? Tenho que conseguir uma garagem para não roubarem a bike? Como lidar com o intenso tráfego de carros? A cidade é muito quente, como suportar o calor? Vou chegar todo suado no trabalho? E se eu for assaltado no percurso?
Todas essas e outras perguntas tiveram soluções e respostas favoráveis a cada novo dia que eu saia de casa pedalando. Impressionante como deixamos de viver certos desafios e alegrias por uma simples mudança de postura! As perguntas que deveríamos nos fazer seriam: porque só posso ir de carro para os lugares? Porque não me exercitar no ir e vir da minha rotina? Se andar de bicicleta é divertido, porque não fazer isso todo dia? Porque correr tanto de um canto para outro se posso ir curtindo minha cidade?
Mesmo se os locais ideais seriam os bicicletários, ainda raros nas cidades brasileiras, estacionar é muito mais fácil do que se imagina, pois todo poste, placa de trânsito ou árvore é um local tranquilo para estacionar a bicicleta usando uma corrente, sobretudo as árvores, pois estar à sombra de uma árvore é sempre agradável. Uma bicicleta não é um bem muito valorizado, e portanto não desperta tanto o interesse de ladrões, e quando estamos pedalando dificilmente somos visados por assaltantes, pelo contrário, ainda é um meio de transporte pouco usado e quase sempre utilizado por pessoas simples, como funcionários da construção civil, homens do campo, ou estudantes, de modo que quando circulamos guiando uma bicicleta estamos no mesma condição social de cidadãos e podemos conversar e saudar alguém no percurso ou durante o sinal fechado, é sem dúvida um transporte muito democrático.
Pedalar no dia-a-dia é um habito extremamente saudável, ecologicamente correto e urbanisticamente muito importante para qualquer cidade! Quando existe a prática diária de pedalar, estamos melhorando nossa capacidade cardiorrespiratória, fortalecemos nossas pernas, braços e postura. Se locomover dessa forma não é uma tortura como se diz, pois o calor de estar ao sol de bicicleta é diferente de estar a pé, dado que o deslocamento é mais rápido, e com isso também o vento no rosto; o que não descarta que o deslocamento seja feito sem alvoroço e com paradas estratégicas, sobretudo num percurso mais longo e em subidas para não suar na ida ao trabalho. A pedalada de volta para casa pode ser mais apressada e até fazendo um trajeto mais longo, para intensificar ou completar a atividade física diária. Outra grande vantagem dessa modalidade de locomoção é o fato de não emitir poluição nenhuma na atmosfera, além de estamos ocupando um espaço incrivelmente menor no trânsito e nos estacionamentos, pois um carro de passeio estacionado ocupa o espaço suficiente para estacionar 8 bicicletas, e nos deslocamentos o espaço ocupado por carros seria dez vezes menor que a mesma quantidade de bicicletas. É impressionante como nos acostumamos a deixar de cuidar da nossa saúde levando vidas sedentárias, poluir o ar que respiramos todos os dias e ocupar tanto os espaços públicos das nossas cidades pelos simples fato de não adotarmos uma mudança de postura.
Rodrigo Lucas
Arquiteto e urbanista
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