Além das pautas relativas à sustentabilidade e mobilidade urbana, a expressão mais comum quando se pensa em melhorar e discutir as cidades é o conceito de “smart cities”. Com a tecnologia nos surpreendendo a cada novo modelo de celular e com a chegada do tão esperado 5G ao Brasil, esse assunto será cada vez mais recorrente e assuntos correlatos como a “internet das coisas” serão cada vez mais corriqueiros para os cidadãos comuns.
Cirurgias de alta precisão realizadas à distância, carros autônomos que dirigem sozinhos e não provocam acidentes e uma comunicação cada vez mais rápida fazem parte dessa nova revolução digital. O compartilhamento de bens cada vez mais será comum. Já pensou se todas as ruas da cidade tivessem câmeras com reconhecimento facial? A cidade seria incrivelmente segura, mas incrivelmente sem privacidade, como se a cidade toda vivesse num grande reality show. Quem controlaria essas dados? Dados cada vez mais geram lucros para empresas que podem entender cada vez mais precisamente como seu clientes se comportam no dia-a-dia. Aí te pergunto: Vale a pena tanta tecnologia?
O surgimento do termo smart cities surgiu por volta de 2005 e algumas das maneiras mais simples de explicar é que as cidades inteligentes são aquelas onde a as redes e serviços se tornam mais eficientes pelo uso da tecnologia. Toda cidade minimamente desenvolvida tem sistemas infra-estruturais, como rede de esgoto, drenagem de águas pluviais, rede elétrica, telecomunicações e sistema viário. Além dos sistemas, cidades apresentam redes de serviços como educação, saúde, segurança, serviços burocráticos, coleta de lixo, etc. As cidades smart aplicam tecnologia em tudo isso, e é aplicada para tornar todos esses serviços e redes muito mais eficientes. Já o conceito defendido pela união europeia argumenta que existem 3 pilares para as cidades inteligentes: conectividade, através da Internet das coisas, dados, gerados pelos cidadãos, equipamentos e aplicativos, e governança, que consiste na gestão e compartilhamento desses dados.
A aplicabilidade dessas tecnologias e características das cidades inteligentes é cada vez mais possível de se perceber no nosso dia-a-dia com aplicações práticas, desde as maneiras mais simples, até ao sistemas mais complexos. Provavelmente você já ouviu falar no aplicativo Waze que é utilizado no trânsito para analisar as melhores rotas, ver os percursos mais engarrafados, saber se aquela determinada rua está em bom estado, etc. Quando cada vez mais pessoas usam o aplicativo, mas dados são gerados na plataforma, e o Waze vai funcionar cada vez melhor, em tempo real e com cada vez mais precisão. As tecnologias, em utilização pelas diversas pessoas retroalimenta os dados, tornando a sua eficiência cada vez maior, até por que nós humanos, temos padrões de comportamentos que tendem à repetição, como o percurso de casa ao trabalho, que provavelmente tem mais de uma opção de percurso, mas repetimos o mesmo caminho no nosso cotidiano, pelo simples fato de ser mais cômodo.
Dentro de algumas de nossas residências existe uma nova “habitante” chamada Alexia, que é uma aplicação do princípio das smart cities dentro dos nossos lares. Alexia é um equipamento de automação capaz de controlar todos os eletro domésticos que se conectam a ela, além de conversar com o usuário, acender e apagar luzes, etc. Uma cidade smart tem grandes plataformas de gerenciamento de dados que permitem a automação e um melhor desempenho, como por exemplo sinais de trânsito conectados a uma central de vídeo monitoramento, que pode agilizar o trafego em avenidas mais cheias de veículos, e desacelerar os meios de transporte em ruas mais tranquilas em determinados momentos do dia.
Um dos princípios de uma cidade inteligente é justamente como esse exemplo do Waze, a tecnologia acessada e alimentada pelo cidadão, a interação entre a tecnologia de informação e o cidadão dando vida a ela através da geração, acompanhamento e monitoramento de dados, e dessa forma, se constroem indicadores, pesquisas, diagnósticos e avaliação baseados em evidências.
Está sendo noticiado por esses dias que a tecnologia 5G está próxima de ser viabilizada no Brasil, e com ela as cidades podem ter ainda mais aplicações tecnológicas na direção de se tornarem smart. A grande vantagem da cidade inteligente é que ela economiza recursos dos vários sistemas e redes que a compõem, e dessa maneira tornam as cidades de todo o mundo cada vez melhores de se viver, afinal para que servem as cidades se não como habitat para as pessoas?
Em maio de 2021 o governo federal elaborou um documento chamado de “Carta Brasileira de Cidades Inteligentes”, com o intuito de refletir fomentar os princípios inteligentes para todo o país. Entre os direcionamentos sugeridos pela carta, adjetivos como inclusivas, acolhedoras, seguras, resilientes e justas, denotam a intensão de humanizar os espaços urbanos. A agenda desenvolvimentista também está nas entrelinhas da referida carta, que cita termos como inovadoras e economicamente férteis, o que naturalmente também agrega valor aos centros urbanos.
Como se pode perceber, essa argumentação sobre cidades sempre envolve a questão espacial, as gestões públicas e os cidadãos. Apesar de vibrar com todas as possibilidades de avanços e melhoria das cidades, não podemos nos distrair da grande razão de ser de tudo isso que são as pessoas. A cidade é feita por, para e com as pessoas, sejam elas gestores públicos ou munícipes, é nelas onde nos relacionamos, no educamos, socializamos, temos nossos momentos de lazer. Lembro ainda ao caro leitor é papel importante para cada um de nós nos engajarmos nas mais diversas questões cívicas e coletivas. A mais conectada e tecnológica das cidades não serve de nada se não participamos e nos envolvemos com ela.
As pautas coletivas e urbanas deveriam ser do interesse de todos e todas, mas o grau de cidadania e de engajamento cívico na nossa nação ainda é muito baixo. Basta ver que poucas pessoas se preocupam com o que pertence à coletividade, mesmo na esfera privada. Para citar um exemplo, alguns de nós que vivem em condomínios e nem sequer participam das reuniões mensais que discutem a própria coletividade do condomínio… No âmbito público isso é ainda mais notório, quando o patrimônio público é depredado e ainda quando recursos públicos são mal utilizados, seja pelos gestores, seja pela população beneficiada e poucas pessoas se inquietam com isso. Os gregos antigos definiam como “idiotas” àquelas pessoas que não se preocupavam com a coisa pública, e essa categoria de cidadão ainda é muito presente na nossa cultura. As cidade inteligentes não serão viáveis enquanto existirem cidadãos estúpidos (stupid citzens), que sequer respeitam o patrimônio que é de todos, e ainda pior que isso, exploram, sonegam e roubam recursos públicos. Não estou dizendo com isso que só existem pessoas dessa estirpe na nossa sociedade, mas é fato que temos muitos passos a dar na direção da civilidade, do engajamento com a coisa pública e com tudo aquilo que pertence a todos. Esperamos que a cada nova geração as cidades, seus gestores e seus moradores, sejam mais inteligentes.
Rodrigo Lucas
Arquiteto e Urbanista