É próprio da natureza humana a socialização, somos seres gregários desde muito pequenos, basta colocar duas crianças próximas e elas quase imediatamente começam a interagir entre si. Segundo as palavras do filósofo grego Aristóteles, “o homem é um animal social” e essa socialização se dá entre outros fatores por nossas afinidades. Provavelmente no seu ciclo de amizade do caro leitor, ou cara leitora, há pessoas com muitos pontos em comum como frequentar o mesmo ambiente de trabalho, ou os filhos estudam na mesma escola, se reencontram semanalmente na mesma igreja ou num clube de lazer aos finais de semana, para citar alguns exemplos.
Essas semelhanças de gostos ou interesses comuns leva nós a nos acomodarmos dentro de “bolhas sociais” que muitas vezes seus integrantes não veem com bons olhos aqueles que são diferentes deles. Essas similaridades e divergências sociais se refletem nos nossos padrões de comportamento, nos padrões de consumo e na maneira que vamos ocupando as nossas cidades. Naturalmente que o poder aquisitivo alto tem uma maior liberdade de escolha com relação a aquisição de bens de consumo e acesso a serviços, mas ainda assim, quem tem um pouco mais de dinheiro que a média da população, pondera socialmente sua decisão na hora de definir o local onde irá morar. O juízo de valor, pautado no status social de uma certa região da cidade, na característica predominante numa determinada localidade leva o comprador ou locatário mais abastado a adquirir um imóvel naquele bairro por afinidade, identificação, por se sentir adequado a viver ali.
Ainda com relação à maneira que as cidades são ocupadas, quanto menor a renda, menor a liberdade de escolha, pois a decisão da compra ou locação de um imóvel passa pelo parâmetro financeiro, depende da capacidade de pagamento do interessado no imóvel. No extremo oposto daqueles que tem algum poder de compra, estão aquelas pessoas sem renda e abaixo da linha de pobreza, muitas vezes sem condições mínimas de dignidade e até sem teto, mas que mesmo assim ocupam de alguma forma as cidades, fazendo uso de espaços urbanos ociosos ou “criando” moradias onde elas não deveriam acontecer, não por uma má escolha, mas pela falta de opção. A população excluída do mercado de trabalho, também é segregada espacialmente por ocupar lugares ermos, pouco acessíveis e muitas vezes carentes de vários serviços públicos como: saneamento, rede elétrica, coleta de lixo, transporte público, entre outros…
Há ainda um tipo de segregação espacial por opção, quando as pessoas desejam estar um pouco isoladas do restante da cidade, como é o caso dos condomínios fechados. As motivações são as mais diversas: segurança patrimonial, busca pela qualidade de vida, morar num local diferenciado, e por aí vai. Os moradores de condomínios fechados são “periféricos-Vips”, pois moram nas periferias, longe das áreas centrais das cidades, e escolheram estar ali, em muitos casos, para se diferenciar da maioria da população.
Quando alguém te diz que mora num bairro “humilde” ou numa “periferia”, o que te passa pela cabeça? Que naquela região tem pobreza, violência e tráfico de drogas? Quando um familiar seu passa a morar num bairro “nobre”, ele está indo morar longe da violência e de outros problemas sociais? Será que “nobreza” é característica de quem tem muitas posses? Na nossa cultura essas palavras cainham juntas e isso é uma forma de “preconceito urbano”, um preconceito com o CEP de cada cidadão. Expressões como: ele é rico, é “bem de vida” e mora numa “área nobre”, trazem uma tremenda carga de preconceito. Acreditamos que seja perfeitamente possível ser uma pessoa nobre e bem de vida (de bem com a de vida) tendo poucas posses. Muitas vezes quem mora nos imóveis e nas regiões mais caras, ironicamente, tem sua segurança do dia a dia feita por um porteiro que vive nessas regiões mais “perigosas” da cidade, cujo CEP sofre todo tipo de preconceito.
Seja qual for sua condição financeira, e independentemente da localidade que você mora, somos todos pertencentes a essa diversidade sócio-espacial a que chamamos de cidade, e podemos lidar com ela de duas maneiras principais: ou aprendemos com ela e enriquecemos culturalmente ou nos fechamos em nossos ciclos de amizade reforçando e perpetuando preconceitos que nos afastam dos distintos de nós. O dissemelhante de nós pode gerar o interesse em conhece-lo ou arraigar nossa estreita visão de mundo, por vezes herdada e tida como verdade sem ao menos refletir sobre ela. Na essência, a multiplicidade faz parte da nossa natureza humana e aquele que é diferente de mim pode dar a oportunidade de aprender com ele, de ter uma visão diferente e tão enriquecedora quanto a minha.
Rodrigo Lucas
Arquiteto e Urbanista
@rodrigolucasarquitetura