Iremos assistir mais uma mudança nas regras do jogo eleitoral brasileiro, e não estou falando do insignificante, espalhafatoso e já vencido debate do “voto impresso”, estou falando da PEC 125/11 com relatoria da Deputada Renata Abreu (Podemos/SP), que traz a volta das coligações partidárias, possibilidade de eleição majoritária para deputados, votação preferencial para Presidente, bem como o possível fim do segundo turno das eleições, afinal, isso sim impacta a democracia brasileira, ao contrário da briga de torcidas criada com a temática do voto impresso auditável defendido pelo presidente.
O debate de valorização da democracia, vai muito além da desconfiança ou não do processo de apuração dos votos e da ampliação da transparência dessa apuração. Temos uma certeza, a política mais tradicional brasileira usa da lei e das regras do jogo para se manter no poder, onde nossos deputados federais e senadores ainda são “conservadores” quanto à forma para garantir que novamente se reelejam, ou seja, mudando as leis.
Façamos uma analogia a um jogo de xadrez, normalmente os tabuleiros podem ser de madeira, ferro ou marfim, existe uma fiscalização para que as regras do jogo sejam respeitadas e no final se tenha um vencedor, geralmente quem derruba a peça do rei do adversário. Na política, as regras do xadrez eleitoral de quem deverá se manter no poder é alterada ao sabor da vontade dos jogadores de sempre, tudo para fazer com que o público continue achando que o jogo é o mesmo, que existe igualdade, que a democracia está melhorando, mas na verdade, a democracia proposta por quem faz as regras, é muito bem pensada para que o fiquemos preocupados se as peças são de madeira ou ferro, enquanto mal percebemos que o jogo já é jogado de outra forma.
É assim, por exemplo, com a proposta de volta das coligações partidárias. Os partidos mais tradicionais perceberam que, como eles não democratizam as decisões do partido, como o dinheiro público da campanha tem que ser monopólio do político dono do partido, e é difícil atrair gente para se filiar a um grupo onde já escolheram quem deve ganhar, notaram que tá complicado juntar candidato, filiado e voto para que os xerifes desses partidos sejam eleitos. Consequência: bora mudar a regra do xadrez, voltar a permitir coligação, ou seja, reunião de um monte de partido, prometendo cargo pra uma gama de candidato “bucha de canhão”, visando eleger aquelas pessoas que aparecem no portal do TSE como maiores recebedores de verbas partidárias.
Caso a proposta da PEC de volta das coligações não dê certo, aí vamos para o “plano B” do xadrez eleitoral, mudamos a regra, e agora deputados seriam eleitos não pelos votos do partido, mas sim, quem tem mais voto ganha a cadeira, eleição majoritária, tudo sob a desculpa que ficará mais claro para o eleitor, ao mesmo tempo que escancara a hipócrita irrelevância de ideologias partidárias no processo de escolha, permitindo que candidatos celebridades ou com grande poder financeiro sejam eleitos, ao passo que, novos candidatos sem estrutura partidária, financeira ou de visibilidade midiática não tenham chance de ocupar o poder, renovação política seria mais difícil de se ver.
Do mesmo jeito, mudar a regra eleitoral de escolha do presidente, sob o pretexto de economia financeira, acabaria com o segundo turno, com regra na qual o eleitor teria a possibilidade de indicar até cinco candidatos em ordem de preferência, e depois seriam contadas as opções dos eleitores até que algum candidato reúna a maioria absoluta dos votos para chefe do Executivo, seria essa a proposta do “voto preferencial”. Ocorre que em nosso país, crer que o processo eleitoral seria mais claro e objetivo para o nosso eleitor dessa forma, é incompreender nossas deficiências socias e educacionais para um processo de escolha já muito deficitário e ao mesmo tempo superficial como são nossas eleições.
Não vejo propostas parlamentares para distribuição igualitária do dinheiro público do fundo eleitoral entre todos os candidatos, não há nova discussão quanto ao financiamento privado de campanhas, inexiste proposta que veda tempo desigual em TV e Rádio para os candidatos, bem como não vejo quase nenhum parlamentar defender criminalização de Caixa 2 privado, ou que o dinheiro da campanha não seja utilizado para quitar multas eleitorais. Não, essas propostas seriam muito democráticas para as regras do xadrez eleitoral brasileiro.
Até outubro de 2021 a PEC que precisa de 257 votos de deputados e 41 de senadores nos dois turnos de votação, será decidida, e veremos qual final levarão essas novas propostas para eleições de 2022 e 2024, nas quais, seja por distritão ou coligação, continuarão a te distrair com o jogo político televisionado, enquanto as regras desse jogo são alteradas e decidem o futuro da democracia real, em que eu e você somos apenas chamados a votar e ser torcida de lados, mas, quanto dinheiro público será utilizado, quem poderá ser candidato, qual o real valor desse voto, como a propaganda e a desigualdade da lei poderá barrar renovações políticas, são temas mais profundos sobre os quais não somos chamados a participar.
Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, Pesquisador do Labô – PUC/SP.