No último dia 06 de abril de 2021 um grupo de criminosos invadiu um estúdio de rádio no Município de Santa Cruz do Capibaribe no agreste de Pernambuco, invasão que foi acompanhada de ameaças de agressão ao radialista que havia tecido críticas à política sanitária do governo federal, o que levou 4 homens, que se declararam apoiadores do presidente, a julgar que poderiam intimidar o profissional da rádio. Essa cena real, não é exclusividade desse caso, visto que no Brasil, cada dia mais, pouco se respeita e se entende o que vem a ser a liberdade de imprensa, colocando o nosso país na posição 107 dentre 180 países na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa 2020, segundo relatório do “Repórteres Sem Fronteiras”.
Sabemos que existe a boa e a má imprensa, assim como qualquer outra profissão tem seus bons e maus profissionais, essa é uma análise de qualidade, que cada uma poderá fazer de acordo com os critérios que entende relevantes, no entanto, quando falamos de liberdade de imprensa, tratamos inicialmente de 4 pontos: realização prática da liberdade de expressão, promoção da informação de conteúdo diverso, prestação de uma serviço de interesse social e por fim, um instrumento de garantia da manutenção da democracia.
Ocorre que, precisamos sair da posição de ignorância, ingenuidade ao julgar que a imprensa tem que ser neutra, imparcial, só propagar fatos verídicos ou opiniões refinadas, usar a linguagem politicamente correta, negar patrocínios. Sim, existem compromissos éticos, existem códigos de conduta que se desobedecidos devem gerar responsabilizações, no entanto, uma coisa nós ainda não aprendemos: a liberdade de imprensa mesmo não sendo absoluta, mesmo devendo ser exercida longe do anonimato, mesmo gerando direito de resposta, ela deve ser garantida de forma ampla, sem censura prévia e imotivada pelo poder público ou pessoas “armadas”, muito menos ser tolhida com ameaças.
A liberdade de imprensa, como instrumento de propagação do conhecimento, correto ou não, sempre será temida por aqueles que não entendem o impacto de sua vedação, afinal, tolamente ou criminosamente, grupos se revezam em discursos pelo controle social ou estatal do que é propagado, sempre com o discurso de promoção de segurança e garantia da estabilidade do país, sendo direita ou esquerda, ou até mesmo apartidários, namoram com práticas totalitárias de imposição de visão ideológica/política que deve prevalecer, remetendo esses falsos democratas a práticas nazistas de fechamento de jornais e queima de livros, ou a uma visão controladora do estado em nome da proteção da soberania e democracia, como como ocorreu com o governo Maduro que até 2017 fechou 49 veículos de comunicação na Venezuela.
Em síntese, o que quero compartilhar neste texto, é que, quando a Constituição Federal no artigo 5º, inciso IX, estabelece que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, aponta que em nosso país, se prioriza a liberdade de expressão, mesmo que ela seja utilizada de forma equivocada, e, no caso da imprensa, esta jamais deverá ser um espaço de uma única voz ou pensamento, devendo o Estado unicamente promover o julgamento e responsabilização em caso de dano, mas lembro que é vedada “qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Se o veículo de imprensa é tendencioso, é direito dele ser tendencioso, se a imprensa toma partido, está dentro do seu espaço de liberdade e reflexão ética, se constrói uma falsa imagem de idoneidade de neutralidade, caberá a ela arcar com o ônus do descrédito ou não do público, se ainda existe monopólio dos veículos de informação, cabe ao estado desonerar a imprensa e ampliar possibilidade para que novos personagens venham surgir, se falam mal do governante querendo sua saída, são pessoas no exercício de sua liberdade, se informam, que tenham aplauso, se desmerecem a democracia, que percam nossa audiência, mas a nós, não cabe pegar a arma e entrar na primeira rádio com a qual discordamos, nem fuzilar jornalista em razão do uso desrespeitoso da liberdade de imprensa, como ocorreu no ataque à redação do Charlie Hebdo em 2015 na França, afinal, no Estado de Direito, contra a suposta agressão, só nos é autorizado buscar resposta e correção pelo Poder Judiciário, não comprar o jornal, mudar de canal, fechar o site ou desligar o rádio.
Sim, não somos acostumados com o péssimo ou bom uso da liberdade de expressão, muito menos com o poder da informação exercido pela imprensa, certamente tememos aquilo que não dominamos ou não conseguimos conter, mas Carlos Ayres Brito quando do julgamento da lei de imprensa (ADFP 130), deixou claro que “a plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial”, garantindo que “quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja”, posição que a filosofa alemã Hannah Arendt admiraria, principalmente quando entende que, contra o totalitarismo deve ser dada voz livre ao indivíduo para ser e se expressa publicamente, ou seja, imprimir o que pensa para a sociedade.
Rechaçamos assim, qualquer tentativa de aprisionamento da liberdade de expressão, principalmente pela via da imprensa, sendo esse direito, termômetro de que ainda vivemos uma democracia, que permite sim, distorções de narrativas, que sofre sim com descrédito por seus próprios vícios de atuação e confronto com os novos caminhos da compartilhamento de informações, e que se vê ameaçada não apenas com o uso da força, mas da fala ameaçadora ou desmerecedora por parte daqueles que deveria lhe exaltar como direito.
A liberdade de imprensa representa atuação profissional e por vezes institucional capaz de ampliar a transparência mitigada do poder público, pontuar condutas sociais danosas, ser mais um mecanismo oposição ao poder da maioria, servir de instrumento informativo e pedagógico, descortinando a cegueira daqueles que se vêm como meros espectadores e servos de que detém algum tipo de poder, podendo sim, criar novas prisões de pensamento, mas no final, o que é a liberdade senão o ápice da compreensão e aceitação e exercício pleno da vida em sociedade, carecendo a cada dia de ser defendida, promovida e recriada.
Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, Pesquisador do grupo “Cidades Transparentes” do Labô – PUC/SP.