A liberdade de expressão ganhou destaque nas redes sociais nesta última semana, tudo pelo fato do youtuber Monark durante um programa de podcast ter defendido a seguinte frase: “acho que tinha que ter um partido nazista reconhecido pela lei” defendendo o direito de uma pessoa inclusive ser antissemita e que não deveria ser crime.
Em virtude do ocorrido, a empresa Studios Flow quebrou vínculo com o Monark, tendo posteriormente o youtuber pedido desculpas pelo ocorrido afirmando que foi infeliz pelo que falou, no entanto, o problema já estava criado, levantando o questionamento se a liberdade de expressão deve ser limitada, inclusive quando o discurso por mais que seja opinativo, propague alguma ideia que implique em valorização de discursos de ódio, como é o caso do Nazismo e sua simbologia.
Especificamente no que se refere a defender ideias nazistas ou propagar o direito de “ser nazista”, no Brasil não temos clareza sobre tal vedação, afinal, existe previsão considerando crime a propagação de ideias nazistas por meio da utilização de seus símbolos, como vemos no parágrafo primeiro da Lei n° 7.716/1989, da mesma forma que o STF já entendeu, pela via da interpretação judicial, que enquadra-se no crime de racismo a propagação de ideias que valorizem o antissemitismo, como ocorreu no julgamento do Habeas Corpus n° 82.424/2003.
No entanto, pela elasticidade e subjetividade da lei, ainda permanece a dúvida se é crime defender a descriminalização daquilo que é considerado criminoso, principalmente quando o que se defende, decorre de uma cicatriz da humanidade como o holocausto nazista e sua abominação universal, na medida em que o nazismo implicou não apenas em uma posição ideológica ou política, mas do extermínio racionalizado e planejado de pessoas, em sua maioria absoluta de judeus além de outros grupos.
Assim, diferente da também danosa defesa da discriminação das drogas, ou da polêmica exaltação da liberação do aborto por escolha, ou da romantização de outros regimes totalitários como o comunismo e socialismo que foram diluídos ideologicamente para além de suas atrocidades, a defesa do nazismo do da descriminalização do ser nazista, conta uma agravante, é quase unânime sua abominação pelos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, principalmente Europa e América do Sul, o que Brasil, por força de interpretação judicial pode ser visto como prática de negação aos históricos males nazistas.
Bom destacar que, ao contrário de Alemanha, Brasil e outros, nos Estados Unidos, a liberdade de expressão tem peso diferente e goza de maior amplitude, ao ponto de se permitirem desfiles, falas e manifestações de cunho racistas que se atenham à fala, não sofrendo penalização, visão esta, que para muitos pode ser prejudicial à própria compreensão de garantia de um estado democrático e tolerante, como bem afirma Karl Popper ao dizer que “a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”.
Nossa constituição veda sim a censura, garante sim a liberdade de expressão ampla, porém não absoluta, afinal, ninguém será proibido de falar, mas poderá sim ser responsabilizado pela sua fala que possa representar algum dano, seja um dano direto a alguém ou à própria segurança da sociedade e preservação da democracia, afinal, é possível falar contra a democracia e seus princípios?
Criticar e pensar a responsabilização de quem relativize de alguma forma o nazismo é algo possível, mas não é tarefa tão objetiva, pois parte da necessidade de se construir perante o judiciário quais os danos que essa fala pode representar, o que se desejar ensinar com uma possível condenação, e principalmente, qual a visão político jurídica que se tem sobre o uso da liberdade na constituição.
No caso Monark, entendo não ser tão fácil uma responsabilização criminal, é algo a ser ainda construído em julgamento, mas isso não inibe o direito de uma empresa demiti-lo, marcas não quererem mais estar vinculadas àquele cidadão, nem atrapalha o processo de cancelamento habitual das redes sociais, tudo dentro de espaços de liberdade objetiva. Agora, a liberdade de expressão e as pautas criminosas que não podem ser defendidas quanto à descriminalização, é um tema que o nosso legislador precisa enfrentar, observando os tratados internacionais e nossa constituição, de forma a deixar possíveis responsabilizações mais claras, bem como ditar até que ponto um discurso tão grave pode ser julgado pela sociedade, mas não será julgado pelo judiciário.
Concluímos que, no Brasil, termos como “Nazista” acabam sendo banalizados para uso politiqueiro visando menosprezar políticos, ou de forma ignorante e inconsequente como visto no caso do youtuber, o que não se entende é que, trata-se de uma expressão que deve ser tratada com o cuidado e a seriedade que carrega, afinal, não se refere a uma conduta danosa de uma única pessoa perante a sociedade, mas traz consigo a marca de mais de 6 milhões de exterminados pela engenharia da morte, carecendo sim de uma processo de educação constante para se extirpar da nossa cultura qualquer tipo de namoro com o nazismo, mesmo que apenas pela liberdade de expressão.
Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Secretário Geral da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados de Pernambuco