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Independência de quem?

O dia 07 de setembro de 1822, não foi um grito pelas liberdades individuais, não representou um avanço de direitos ou teve qualquer simbolismo democrático. Ao contrário do 04 de julho americano que veio acompanhado por uma proposta de um federalismo real atrelada à construção de uma democracia. O Príncipe Regente rompe com a Coroa Portuguesa (seus pais) para apaziguar os ânimos de uma insatisfeita elite econômica brasileira, no entanto, enfrentou resistências de outros grupos, somente em 1824 oficializa a independência, mas para o brasila real, nada mudou de fato.

Só para você ter noção, Dom Pedro I não adotou uma democracia, acomodou interesses de poucos, para oficializar a cisão com Portugal aceitou deixar o país endividado com uma multa de indenização de 2 milhões de libras paga aos portugueses, continuou usando recursos financeiros do país para bancar a guerra do trono português entre sua filha Maria da Glória e Dom Miguel, além de ter implantado uma monarquia brasileira marcada pelo aprofundamento da crise financeira e autoritarismo, chegando a receber rótulos de “pé-de-chumbo”, “corcunda”, “absolutista”, abdica do trono em 1931 para resolver suas querelas portuguesas, deixando o império nas mãos de um pequeno grupo conselheiro, que antecipam a maioridade da criança de 5 para 14 anos. Oficialmente o primeiro jeitinho brasileiro de governabilidade.

Pois é, a tão comemorada independência nos traz a falsa sensação de que somos um país só, um único povo, que partilhamos dos mesmos anseios e necessidades, faz com que proclamemos a defesa de uma pátria que sempre foi de poucos, para poucos e às custas de muitos. Não foi a liberdade que conquistamos com o 07 de setembro, demos apenas mais um passo para uma lógica impositiva de governar, inauguramos nosso apreço pelos títulos, cargos e relevância social de quem ocupa o poder.

A “independência do Brasil” é a comemoração de nossa tentativa de fazer parte de um todo através de bandeira, cores, hinos, tudo muito lindo e “plástico” de se ver, chancelando nosso hipócrita patriotismo, que se revela esporadicamente numa competição esportiva ou em aceno cego em prol de grupos políticos. Não nos esqueçamos de que são estes que a quase 199 anos se revezam pela imposição ou eleição, como defensores de um país criado para explorar, até der e promover benefícios de quem tem dinheiro, ou títulos, tudo sobre os cadáveres de índios e negros escravizados, às custas de qualquer concepção de justiça social.

Independência presume autonomia, garantia de liberdades, possibilidade de escolha, limitação da ingerência do Estado, pressupõe rompimento com o regime que se contrapõe, traz uma perspectiva de mudança gradativa da sociedade por mais liberdades, ideais que somados à democracia, têm na redução das desigualdades sociais o caminho para que, o ser livre não continue como um privilégio dos que podem e os governantes deixam ser livres.

Faz muito tempo a coroa portuguesa deixou de nos ser um entrave. De lá pra cá, como temos nos organizado no que se constitui pensar uma Nação? Apenas com gritos as margens do Ipiranga, ou a beira da Paulista? Continuamos presos a uma cultura que normaliza a mentira como sendo mal necessário, que ignora a ética ao sabor do político e dos benefícios que cada um de nós tem sugando do dinheiro público, que valoriza a esperteza e o jeito safo ao lugar da experiência e formação, presos ao patriotismo individualista e egoísta, que olha as diferenças com medo, que ama fazer ações de impacto social mas rechaça a emancipação e autonomia dos mais vulneráveis na hora do voto.

Dependentes sim de uma visão onde, o “ser livre” só serve se for para que eu imponha minha visão de como essas liberdades podem ser exercidas. Presos na ignorância política, na falta de compreensão da serventia dos entes da federação ou os cargos políticos, amantes de um racismo camuflado de indiferença, reféns de uma errada compreensão de que democracia seria a vontade da maioria, amarrados às nossas necessidades básicas de sobrevivências que nos impedem de consentir ou não com a chegada de um império, proclamação da república, golpe de 64, retomada das eleições. Enganados de que fomos parte das grandes mudanças do país, quando na verdades, desde o 1822 somos apenas um instrumento/ferramenta para legitimar aquilo que sequer nos deixam entender.

Somos uma nação ainda amante de coronéis, guerrilheiros e famílias reais. Somos o país onde as políticas públicas são sempre atreladas ao político que as criou ou as desfez, como se fossem favores de gratidão eterna. Temos 39 milhões de pessoas na pobreza e 13 milhões na extrema Pobreza, uma nação tomada de arrogância construída sobre muita ignorância, somos como adolescentes, que no calor da idade nos julgamos de tudo sabedores, ainda presos ao bolso dos nossos pais, mas nos julgamos independentes, só que temos uma diferença dos adolescentes, como povo, no final de tudo, só nos é dado o direito de errar e a conta dessa dependência sempre cairá em nossas costas.

Como bem afirma Hannah Arendt “só se é livre perante outros que também o sejam”, assim, se não asseguro um país pautado pela busca de uma igualdade do seu povo em ser livre, podem até soltar o “brado retumbante”, podem ocupar as ruas, podem vender uma história bonita e escrever belas canções, mas assim como Dom Pedro I, tudo não passará de gritos e acomodação de interesses de poucos, afinal, para quem não tem dignidade em existir, ao “povo heroico” basta sobreviver, pois a liberdade não “raia” no horizonte do Brasil.

Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, Pesquisador do Labô – PUC/SP.

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