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Dois anos de Via Parque: Valeu a pena?

Mês que vem a Via Parque completa dois anos da inauguração de sua primeira etapa com 2,2km de extensão. Qualquer espaço, público ou privado, precisa de ao menos um ano de funcionamento para que os usuários se moldem ao lugar, e gostaríamos de refletir com você sobre pontos fortes e pontos de melhoria da Via Parque, a intervenção urbana que impulsionou a reeleição da prefeita de Caruaru (Raquel Lyra-PSDB) e mudou a cara da cidade para moradores e turistas.

É inegável que a construção da Via Parque mudou a cara da cidade e foi muito bem aceita pela população frequentadora do parque linear, que a cada etapa vai humanizando a, anteriormente abandonada, linha férrea que corta a cidade de leste a oeste. Acreditamos ser uma obra tão impactante quanto a construção dos viadutos da BR-104, que quase dividiram Caruaru “em duas bandas“, aliás esse é um dos argumentos do arquiteto e urbanista autor do projeto do parque linear, Swami Lima, que conceituou a intervenção como uma “costura” na cidade para compensar a divisão gerada pela obra dos viadutos. Inspirado no parque linear de Nova Iorque, o High Line Park, que aproveitou uma linha férrea desativada para criar uma área verde ao longo dos trilhos na cidade norte-americana.

Por questões históricas, os trilhos e elementos remanescentes da infraestrutura ferroviária precisavam ser preservadas e a autorização para a intervenção urbana nessa área da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) só seria aprovada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) dessa maneira. O órgão de patrimônio autorizou a execução da obra desde que os trilhos não fossem cobertos, pensando na reversibilidade da intervenção, que futuramente, dependendo das demandas da população, poderiam passar a abrigar novamente algum tipo de transporte sobre trilhos, como um VLT (Veículo leve sobre trilhos).

Se o leitor buscar na memória, a linha férrea quase toda era uma grande “terra de ninguém” praticamente toda de terra batida e com algumas poucas árvores e um pouco de vida útil eventual do trecho que ia da frente do INSS até o Pátio do Forró. No cotidiano esse trecho era praticamente estacionamento de carros e percurso de alguns pedestres, e durante o São João ganhava alguma vitalidade, mas de caráter provisório, apenas um mês por ano. Acredito que a grande sacada desse exitoso planejamento urbanístico foi querer dar visibilidade a esse trecho quase morto da cidade. Se for totalmente concluída, e esperamos que seja, ela vai conectar 16 bairros da cidade além de ser uma grande área verde a mais, numa cidade que carece tanto do verde urbano.

As duas grandes virtudes da Via Parque foram inserir a primeira infraestrutura cicloviária da história da nossa cidade, e fazer uma grande intervenção voltada para mobilidade a pé, pois se antes já tinham algumas pessoas que caminhavam por ali, hoje é muito visível o aumento desse quantitativo de pedestres que passou a usar o espaço para a prática de exercícios físicos ou para se deslocar pela cidade. Por investir na mobilidade por bicicleta e a pé, esse espaço público linear se conecta com uma diretriz urbanística de várias sociedades mais antigas e grandes centros urbanos, que é o desincentivo ao uso do carro particular, sobretudo em áreas mais centrais das cidades.

O referido projeto urbanístico chegou a ser vencedor do “Prêmio Cidade Caminhável” em 2021 na categoria de cidade média, e foi uma merecida conquista, pois se nas áreas centrais a mudança foi perceptível, nas periferias foi quase uma revolução. Nos trechos de linha férrea onde quase ninguém nem passava por questões de segurança, hoje é ponto de encontro e local de valorização imobiliária crescente. A infraestrutura conta com corrimão nos trechos mais altos, iluminação noturna que torna o lugar mais seguro, arborização e vegetação que diminui o calor nos dias mais quentes e torna o percurso mais convidativo para caminhar ou pedalar; além de equipamentos comunitários como banheiros, quadras, postos de segurança, parquinhos infantis, academias, lixeiras, paraciclos, etc.

Quem caminha pelo parque tem mais motivos para comemorar do que quem pedala, mas mesmo assim é notório o aumento de pessoas pedalando na cidade. O crescimento do número de ciclistas se deve em parte À instalação dessa infraestrutura cicloviária, mas que também foi impulsionado pela pandemia do corona vírus, que diminuiu o interesse pelo transporte coletivo, e em parte também pelos muitos e recorrentes aumentos nos preços dos combustíveis que acaba tirando algumas pessoas de veículos particulares e passando a usar a bicicleta ou a caminhada para ir de casa ao trabalho.

As pessoas têm um pouco mais de experiência pedalando, não gostam de usar a ciclovia atual, pois ela tem muitos obstáculos como árvores, postes batentes de meio-fio quase nenhuma sinalização para os ciclistas e além disso tem o trilho do trem que oferece muito perigo ao longo de todo o percurso. As pessoas que caminham por ali também não respeitam muito quem passa pedalando, mas isso pode mudar com o tempo. O fato é que a ciclovia que fica exatamente em cima dos trilhos do trem serve como uma oportunidade de pedalar pela cidade, “quebrando o gelo” com a bicicleta como meio de transporte ou para os ciclistas iniciantes a partir dessa vivência se encorajarem para desbravar a cidade toda sobre duas rodas.

Mesmo vendo alguns pontos de melhoria, a cidade ganhou bastante com a intervenção sobre os aspectos sociais, econômicos, culturais e urbanísticos. Hoje podemos ver muito mais pessoas nas ruas, mais gente pedalando, crianças brincando, a economia mais movimentada, mais áreas verdes e um grande trecho de cidade mais humanizado e urbanizado. Nós enquanto urbanista e cidadão ativo ficamos na torcida por outros projetos desse porte e com esse viés. Que venham outras “Vias Parques”!  

Rodrigo Lucas
Arquiteto e Urbanista

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