A diferença entre o veneno e o remédio é a dose, mas qual é a dose certa de velocidade para as nossas cidades? A gente pode até pensar que a boa mobilidade em uma cidade e implica em todo mundo poder correr muito, andar rápido para todo lado, mas será que isso é o melhor realmente para a maioria?
A maioria dos sinistros no trânsito é decorrente de alcoolemia e excesso de velocidade. Desacelerar a velocidade das cidades é um aspecto positivo para a qualidade de vida urbana e para a melhoria do trânsito, e não falo apenas para os carros, mas também para pedestres, ciclistas, transporte público, etc. Mais importante do que poder dirigir a 120 km/h em qualquer rua da cidade é garantir que a fluidez do trânsito ocorra de forma organizada. Isso significa que apenas algumas avenidas, aquelas essenciais para a estruturação viária, devem permitir um fluxo mais ágil, enquanto as demais ruas devem manter um trânsito equilibrado e acessível para que todos possam se deslocar com segurança e eficiência.
Então, uma boa mobilidade urbana passa por desacelerar em vários trechos da cidade ao invés de se poder correr muito e livremente. Não adianta a gente ter uma Avenida Agamenon com outros carros voando de velocidade e ter tantas outras ruas travadas para poder alguém acelerar apenas numa avenida principal. Então, por exemplo, é mais importante para uma cidade que haja várias ruas com certa fluidez numa velocidade lenta do que poucas avenidas com muita velocidade, porque afinal de contas, a gente correndo muito no meio urbano está bem mais propensa a gerar acidentes, portanto desacelerar é uma boa medida.
Nesse sentido, a Prefeitura de Caruaru vem com campanha já a alguns meses de instalação de câmeras e radares de velocidade. Isso vai gerar, naturalmente, muitas multas, já está gerando, mas tem um aspecto muito positivo nisso, que é isso. A gente poder desacelerar e perceber que a cidade não precisa de um tráfego de veículos correndo, não é isso que faz a cidade fluir e o trânsito andar bem. Mais importante que isso, por exemplo, é uma sincronia entre os sinais de trânsito de modo que uma sincronia e sistemas de controle monitoramento que percebam que se tem um certo trecho que está travando então precisa que aquele sinal fica aberto por mais tempo e fazer a coisa fluir passa muito mais por monitorar e desacelerar do que por deixar correr na velocidade que se quer.
Naturalmente que todo gestor público tem outros desafios, além desses de instalar câmeras, outros aspectos precisam ser resolvidos, por exemplo, a quantidade de buracos na nossa cidade ainda é muito grande, a manutenção da pavimentação ainda é muito falha, sobretudo nos bairros periféricos. Em áreas centrais é mais fácil, digamos assim, “manter a casa organizada”, porque está na vista da maioria das pessoas, quase todo mundo transita pelo centro. Na periferia ou em bairros não tão centrais ainda existe um grande desafio de mobilidade que está na contramão das áreas centrais, pois não há necessidade de câmeras e radares de velocidade, mas a cidade está cheia de buracos, então a prefeitura tem o desafio de ser mais coerente nesse aspecto, investindo também nas periferias. Melhorar qualidade das vias mais importantes na periferia pode ser uma boa solução, pois a grande quantidade de ruas cheias de buracos é um grande problema de mobilidade, pois atrapalha o transporte público, os veículos têm mais problemas de manutenção.
Conhecemos um cidadão que está movendo uma ação contra a prefeitura porque ele quebrou o carro ao cair num buraco da cidade e não estava na velocidade muito alta, mas o buraco realmente quebrou alguma peça do carro, ele colocou a prefeitura na justiça e entendemos que ele está correto nesse sentido, pois teve danos materiais por uma falha na infraesrutura viária do seu bairro.
Outro aspecto importante lembrar é a respeito de uma categoria profissional que todos nós conhecemos aqueles trabalhadores que fazem entregas. Os motoqueiros e ciclistas que fazem as entregas de comida, medicamentos, documentos, etc. O profissional entregador naturalmente corre contra o tempo, porque o tempo é dinheiro, sobretudo para ele; e quanto mais rápido eles fazem cada entrega, mais rápido eles podem fazer mais entregas e assim podem ganhar mais dinheiro.
Em relação aos entregadores também cabe uma ação da prefeitura no sentido de monitorar, de desacelerar esse pessoal, de conscientizar também, porque realmente a gente vai ter uma geração de acidentados por essa correria de moto, sobretudo de moto, porque eles são muito velozes. Uma colisão na velocidade que os moto-entregadores costumam andar, muitas vezes é fatal ou incapacita o trabalhador.
Gostaria de convidar o caro leitor ou leitora a fazer o exercício de sair de casa um pouco mais cedo para não ter que correr tanto no trânsito e tentar tirar o atraso na velocidade do acelerador do seu carro. Quando a gente sai um pouquinho mais cedo de casa, a gente não só está evitando a possibilidade de acidente, e de realmente acabar com tudo aquilo que tínhamos planejado para fazer naquele dia, além de poder viver nosso dia a dia sem o estresse de correr sempre que vai dirigir um veículo. Ao desacelerarmos nossas rotinas, conseguimos chegar um pouco mais cedo nos nossos compromissos, ganhando assim alguns minutos preciosos que na dão uma certa liberdade de sermos mais gentis no trânsito, pois o tempo está a nosso favor. Desacelerando a gente ganha tempo, qualidade de vida e, sobretudo segurança.
Rodrigo Lucas
Arquiteto, urbanista e professor universitário.
@rodrigolucasarquitetura