Começou o ano legislativo no Brasil, e o dia 01 de fevereiro de 2021 foi marcado pela tão articulada e negociada eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, votação restrita a deputados e senadores para a escolha de personagens importantes para o biênio 2021/2022.
Os eleitos não são apenas parte de uma “linha sucessória presidencial”, mas possuem o poder de incluir ou não em pauta de votação os projetos de lei de interesse nacional, gestão de um orçamento milionário, articulação com deputados e senadores, autorização de abertura de processo de impeachment, além de impactarem no cenário político eleitoral, fazendo emergir novos players/jogadores na definição de quem se sentará de fato na cadeira presidencial e dos governos em 2023.
Elegemos deputados e senadores para a defesa dos múltiplos interesses de nossa plural sociedade, mas não podemos ignorar que as escolhas daqueles que foram por nós eleitos impacta na continuidade ou paralização de governos. Assim nos questionamos:
Com a eleição volumosa e impactante de um legítimo representante do “centrão”, Arthur Lira (PP), para presidência da Câmara Federal e de um aliado de primeira hora para a presidência o Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), temos um cenário de vitória da articulação política de Bolsonaro, ou o custo dessas conquistas coloca o bolsonarismo refém da política tradicional antes tão rejeitada em campanha?
É reconhecível que o Presidente Bolsonaro, diferente dos primeiros dois meses de governo, agora com a totalidade da máquina federal em suas mãos, aceitou romper com o discurso de uma “nova política” e se rendeu às mais tradicionais práticas da política brasileira para manter governabilidade e fluidez de seus planos político/eleitorais, mas observando o histórico dos presidentes antecessores, sabemos que a fatura das promessas de cargos, reformulações ministeriais e viabilização de emendas parlamentares, não se encerra nessa eleição e pode empurrar Bolsonaro para o vício eterno do “toma lá dá cá”.
O apoio e campanha clara do presidente à eleição de Arthur Lira é a grande prova de que, ao menos parecer probo, não deter acusações ou não ser réu de crimes, para receber o suporte eleitoral do planalto, não é mais uma condicionante, bem como, as pautas de combate à corrupção, apoio incondicional à “Operação Lava Jato”, reforma administrativa, enxugamento e eficiência da máquina, são agora coisa do passado, interessando unicamente a reeleição e amealhar apoios/parceiros nesse projeto.
Lira, goza sim da presunção de inocência/não culpabilidade, no entanto, revela a contradição do governo bolsonaristas, afinal, após o presidente em 2018 angariar apoio de todos aqueles frustrados com a velha política e o histórico petista de acusações de corrupção, passa em 2020 proclamar o “fim da corrupção”, nomear novo ministro do STF com alinhamento a essa política rechaçada.
Agora em 2021, Bolsonaro apoiou para presidente da Câmara um investigado pela “Lava Jato”, que também é réu/denunciado por crimes de peculato e lavagem de dinheiro quando ainda ocupava um assento na Assembleia Legislativa de Alagoas (Processo nº. 0006435-29.2018.8.02.0001), pontos que no mínimo deveriam ter passado pela peneira de cautelas morais bolsonaristas, mas que foram ignorados na mesma semana em que a força-tarefa da Lava Jato no Paraná é desativada e as investigações incorporadas ao GAECO do MPF/PR, mesmo destino dado em 2020 aos braços paulistas e cariocas da operação.
Sim, Lira apresentou competência em somar apoios dos deputados de várias vertentes partidárias, sendo declaradamente o candidato do Presidente, e com isso ter sua candidatura projetada e munida para a vitória, tudo fruto de negociações do hoje, no entanto, quem nos garante que a cada tema de relevância o “balcão de negociações” do congresso não será novamente acionado e os interesses públicos serão colocados em segundo plano em nome dos interesses eleitorais politiqueiros?
Bolsonaro foi sim vitorioso, usando inclusive a máxima do poeta romano Ovídio “Os fins justificam os meios”, o que é um contrassenso para aqueles que buscam coerência, coesão e integridade na defesa de uma nova política ética e democrática, que não significa necessariamente direita ou esquerda, mas rompimento com o cárcere da prevalência do interesse de poucos sobre o interesse público.
Na medida em que o presidente vence da mesma forma como outros presidentes sempre venceram as disputas políticas, cada dia mais se torna refém do sistema que afirmava panfletariamente combater ou do qual nunca deixou de ser parte, mas relembramos José Saramago, quanto afirma: “O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas.”
As perguntas que ficam são: É possível vencer de outra forma? Ao lugar do cego lulismo/petista que tudo perdoa em nome dos avanços sociais que bradam eleitoralmente, estamos dando espaço a um bolsonarismo que cala inclusive seus twitteiros da ética, cega os ideólogos emergentes e relativiza a crítica em nome de caminhos políticos que sequer conseguimos enxergar para onde nos levarão.
Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa.