Desde de 2013 que a imprensa brasileira começou a noticiar os “Panelaços” contra do governo da ex-presidente Dilma, o que se repetiu em 2014 e 2015 a cada aparição de Lula, Dilma e do PT na TV, prática essa que, na América do Sul nos remete a 2001 quando os argentinos também batiam seus utensílios domésticos em protesto contra a crise político-econômica.
Os panelaços voltaram, desde 2019, em batidas durante discursos à nação feitos pelo Presidente Bolsonaro, cenário onde aqueles que tanto criticavam essa orquestra doméstica às janelas, que diziam ser um fenômeno da classe média despolitizada e “golpista”, hoje invertem os polos de suas críticas e se somam aos atuais insatisfeitos, seja também atritando suas vasilhas ou filmando e replicando com entusiasmo as batidas de panelas como grande ato político.
Mais uma cena de panelas foi vista no último dia 23 de março de 2021, não porque houve a troca do ministro da saúde pela segunda vez em plena pandemia, não porque nesse mesmo dia cerca de 3.158 pessoas vieram a falecer de Covid-19, também não foi pelo fato da segunda turma do STF “mudar de entendimento” em processo de corrupção onde o réu foi condenado em várias instâncias, não batemos panelas porque em virtude da pandemia 82% dos moradores de favelas não conseguem garantir as três refeições para suas famílias.
Sim, bater panelas é um ato político, apesar de sempre criticado por aqueles que sentem uma certa pressão desse efeito manada que o panelaço gera, no entanto, é um ato que se iguala ao efeito “haters” ou provocado por algoritmos nos famosos twitaços nas redes sociais, ou seja, revelam parcelas de pessoas que fazem barulho de alguma forma, que se utilizam de uma mensagem de pronto consumo, que nada falam ou aprofundam sobre essa mensagem, e que não carece nem de elevada reflexão ou problematização do cenário, apenas uma externalização sonora de sentimentos não identificáveis.
O que temos de positivo no panelaço? Temos o chamado de outras pessoas a replicar o ato, uma mensagem de que existe uma parcela da população insatisfeita com algo sobre o presidente. No entanto, se não estamos fazendo comida, de fato as panelas sendo propositalmente batidas, passam a mensagem própria de que “não queremos ouvir nada além do nosso ruído”, “julgamos que nosso ato mudará alguma coisa”, “sou politizado por me opor ao presidente”, quando na verdade é tudo mais um mecanismo para que finjamos ser participantes do processo político, em uma democracia inerte, barulhenta e nada modificadora.
Não, Dilma não foi tirada pelas panelas, Bolsonaro também não será deposto pelo barulho de sua cozinha, afinal, o barulho é um instrumento para amedrontar ou negar que o outro possa ser ouvido, mas na política, no final, tudo é decidido pelos que sempre ocupam ou ocuparam o poder, os que detêm o volante da economia e que refletem sobre quais os passos de pronto consumo serão fornecidos à população para uma decisão de voto: se polarização, desconstrução rasa da imagem do opositor, fake news, oferta de um salvador, fato grave, tentativas de capturar qual o sentimento do eleitor que deve ser aflorado durante o processo político, para que a decisão seja tomada como planejado por poucos.
Repito, somos uma democracia inerte e de momento, em uma sociedade massificada mas que ignora os impactos da individualidade e do individualismo, que se enxerga de forma simplista mesmo sendo complexa, que não vai para a “Ágora”, para o espaço da reflexão e do debate político, apenas ficamos à procura da primeira panela com a qual somarmos as batidas das nossas, nos fechando na superficialidade e incompreensão dos barulhos que produzimos, que não atrai, não convence, não reflete, não transforma e não quer problematizar nossa responsabilidade de fazer a democracia mais que um voto.
Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, pesquisador no grupo “Cidades Transparentes” do Labô – PUC/SP.