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A Nova Tamandaré

Para aqueles que tem a felicidade de tirar férias e condições financeiras para isso, se costuma viajar no período de recesso escolar e acadêmico, são as tão sonhadas férias de janeiro. Um bom número de veranistas, sobretudo não residentes em cidades litorâneas costumam ir para cidades praianas nessa época do ano. Pernambuco é muito bem servido de cidades à beira-mar, e entre os destinos mais requisitados está Tamandaré, que tem despertado cada vez mais o interesse de investidores e veranistas.

Passar uns dias em Tamandaré, bem como em outras praias, é desconectar-se de boa parte dos costumes que um cotidiano urbano nos impõe. Uma vez de férias, e em uma praia, palavras como “trabalho, engarrafamento, correria e poluição” dão lugar à “ausência de compromisso, tranquilidade e contato com a natureza”. Mas será que seria bom ter isso o ano todo?

Nossa vivência na cidade onde cada um de nós reside, em síntese é relativa a: moradia, trabalho, interações sociais e a busca por produtos e serviços. Naturalmente que ter uma fonte de renda é imprescindível e portanto é necessário trabalhar, e com isso vem os desafios, cobranças, metas e decorrente disso uma certa rotina de cada um com o seu local de trabalho, o exercício cotidiano da mobilidade faz parte do que é viver em uma cidade. As nossas necessidades por produtos e serviços nos levam a nos movermos no ambiente urbano, entretanto, no contexto praiano essa locomoção é muito mais lenta e despretensiosa. O trafegar quase sempre estressante dos centros urbanos vira passeio durante o período das férias, e consequentemente tem uma outra velocidade, pois não há pressa para chegar ao destino, uma vez que e o próprio percurso já faz parte do lazer.

A questão do morar, nas cidades onde residimos, é para a maioria da população um desafio. A irregularidade no abastecimento de água, a violência urbana e a falta de pavimentação nas ruas, no contexto praieiro, cedem lugar a muitas casas onde a água não é problema e muitas delas têm piscinas, uma certa tranquilidade social de não ter tanto medo de assalto e até ruas de terra tem seus encantos pois deixam a rua com um aspecto mais nativo, como em uma aldeia. Outro atrativo das casa de praia, no caso das residências de aluguel, é poder “ter” uma casa diferente a cada veraneio.

As interações sociais nas cidades que residimos são em sua maioria, sobretudo nos dias úteis, relações de dependência e de prestação de serviço. Ao levar crianças na escola, encontrar-se com clientes e dar uma passadinha no mercado, estamos estabelecendo trocas sociais próprias da vida em sociedade, pois sempre dependemos de alguém para alguma coisa, e desse modo também a sempre alguém precisando de nós. Já o ambiente praieiro nossa leva a interações sociais muito mais descontraídas e divertidas, como um vizinho de bairro que não víamos há muito tempo, aquela outra pessoa muito interessante que desperta em nós sentimentos, ou ainda a oportunidade de conhecer alguém que a vivência da cidade não permitiria devido à correria das nossas rotinas.

A busca por produtos e serviços também se dá de forma muito mais leve no período das férias no litoral, os próprios padrões de consumo mudam bastante. Dificilmente um veranista vai em busca de roupas, serviços cartoriais ou livros, por exemplo. O consumo no período das férias é muito mais diretamente voltado ao lazer, como serviços gastronômicos e turísticos.

Porque não trazer algumas dessas peculiaridades de um veraneio em Tamandaré para nosso dia a dia nos grandes centros urbanos?

Como nossa estadia nas férias é curta, se não gostarmos da hospedagem, sabemos que no próximo veraneio escolheremos outro local, já na nossa moradia urbana, não é tão simples mudar de um ano para o outro. Se você não se sente muito bem na casa onde mora, deveria refletir sobre o que te agrada ou não por aí… Por vezes usamos nossa casa de maneira muito pragmática e funcional pois acordamos tomamos café e saímos, voltamos para almoçar e a noite voltamos novamente para dormir. Como se isso não bastasse, nos finais de semana temos diversas programações de lazer, sociais e mal vivenciamos a nossa casa. Talvez você nunca parou para curtir sua moradia, como curte uma casa de praia. Nossa habitação não deveria ser apenas um espaço de apoio para nossas atividades corriqueiras, mas um lugar de bem-estar, onde podemos relaxar e desenvolver atividades prazerosas como estar mais tempo em família, apreciar uma boa gastronomia, cuidar de plantas, ler bons livros. Outra sugestão muito válida, caso você não esteja satisfeito com seu cantinho, é contratar um bom arquiteto e mudar a cara desse lugar, afinal, um olhar mais técnico de um profissional que não vivencia sua moradia vai fazer as mudanças necessárias para que você se apaixone pelo seu lugar, passando então a gostar de estar aí.

A nossa relação com a cidade é outra quando estamos a trabalho ou a lazer, mas podemos mudar um pouco dessa relação com algumas atitudes bem simples. A rotina de ir até o trabalho não precisa ser estressante, e sair de casa um pouco mais cedo pode fazer toda diferença para não chegarmos ofegantes e já iniciarmos a jornada “de cabeça quente”. Fazer percursos diferentes em um ou outro dia da semana também pode nos ajudar, pois além de um ótimo exercício para a mente, nos fará descobrir lugares da cidade que ainda não conhecíamos, e de repente, uma nova praça, um ponto comercial de nosso interesse, ou mesmo reencontrar uma pessoa que não víamos há muito tempo pois passávamos sempre pelos mesmos caminhos.

Nosso desejo com essa reflexão sobre os espaços que frequentamos de férias ou no nosso dia a dia é levar você a aproveitar melhor tanto sua cidade quanto sua moradia de maneira mais agradável. Acreditamos que realmente que podemos gostar de vivenciar os espaços públicos de uma cidade qualquer e até zelar por eles, assim como zelamos pela nossa casa. Qualquer cidade do mundo pode ser incrível se mudarmos nosso olhar e nossa experiência nela, como se sua cidade passasse a ser uma Nova Tamandaré, que você experimenta e desfruta um pouco todo dia. Nossa habitação pode ser encantadora se nos dermos a oportunidade de revê-la ou mudar nossa forma de se relacionar com ela, aí ela deixa de ser uma casa e passa a ser um lar.

Rodrigo Lucas

Arquiteto e Urbanista

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