A Lei da Anistia, sancionada em 1979, é um dos temas mais relevantes e controversos da história recente do Brasil. Criada no contexto da ditadura militar (1964-1985), seu objetivo foi permitir a reintegração de exilados políticos, a libertação de presos e o restabelecimento de direitos para servidores afastados. No entanto, a amplitude da norma gerou intensos debates, pois também beneficiou agentes do Estado responsáveis por violações de direitos humanos.
O que diz a Lei da Anistia?
A Lei nº 6.683/1979 concedeu anistia a todos os que cometeram crimes políticos e conexos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. O conceito de crimes conexos foi interpretado de forma ampla, abrangendo não apenas atos de resistência contra o regime militar, mas também crimes cometidos por agentes do Estado no combate à oposição política.
Na prática, a norma permitiu o retorno de exilados, a libertação de presos políticos e a reintegração de servidores públicos e militares que haviam sido punidos. Contudo, ao incluir no perdão aqueles que praticaram torturas, desaparecimentos forçados e execuções sumárias, a lei gerou críticas por parte de entidades de direitos humanos e familiares das vítimas da repressão.
Anistia e Crimes Imprescritíveis
Uma das principais questões em debate é a compatibilidade da Lei da Anistia com normas internacionais de direitos humanos. Organismos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sustentam que crimes como tortura e desaparecimento forçado são imprescritíveis e não podem ser anistiados.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, julgou constitucional a Lei da Anistia, mantendo a interpretação de que o perdão se aplicava tanto aos opositores do regime quanto aos agentes estatais. No entanto, a questão segue sendo contestada, especialmente à luz de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
A Anistia no Contexto Atual
O tema da anistia voltou ao centro dos debates com o movimento que pede o perdão dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Os defensores da anistia argumentam que os manifestantes são perseguidos políticos, enquanto juristas e setores da sociedade civil destacam que crimes como depredação do patrimônio público, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e incitação ao crime não são passíveis de anistia, conforme a Constituição de 1988 e tratados internacionais.
Além disso, recentemente o ministro do STF Flávio Dino propôs que a Lei da Anistia não se aplique ao crime de ocultação de cadáver, com base na tese de que se trata de um crime permanente, pois a infração continua ocorrendo enquanto os restos mortais não forem encontrados. Essa interpretação poderia abrir precedentes para revisões da anistia concedida a crimes praticados durante a ditadura.
Conclusão
A anistia, portanto, permanece um tema sensível no Brasil, envolvendo questões de justiça, memória e impunidade. Embora tenha sido fundamental para a transição democrática, sua aplicação gerou consequências que ainda reverberam na sociedade e no sistema jurídico brasileiro. Qualquer nova proposta de anistia deve ser analisada à luz da Constituição e dos compromissos internacionais do país, garantindo que não se repitam erros do passado e que a impunidade não prevaleça sobre a justiça.
Por Brenno Ribas
Advogado; Doutorando em Direito da Universidade de Alcalá; Mestre em Ciências Jurídico-Publicísticas pela Universidade Lusófona do Porto; Especialista em Direito Eleitoral pela PUC-MG; Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Única; Corregedor Auxiliar da OAB/PE; Professor Universitário do curso de Direito da UniFavip Wyden; Pesquisador/Autor jurídico.