As fortes chuvas de junho de 2022 tem preocupado e vitimado muitos pernambucanos, sobretudo na região metropolitana do Recife, onde já causaram algumas centenas de mortes e deixando alguns milhares de desabrigados. Ano a ano, cada vez mais, os moradores das encostas não dormem em paz quando começa o período chuvoso no estado. Naturalmente que não foi uma opção morar numa região de morro em habitações de baixíssima qualidade construtiva e arquitetônica, mas justamente devido à falta de opção é que as pessoas ocupam essas encostas, colocando em risco a própria vida e de seus familiares. Não vamos adentrar muito nas questões sociais que levam pessoas a ocuparem habitações informais e áreas de risco, mas, para citar algumas, o preço da terra somado à especulação imobiliária levam pessoas a morarem cada vez mais distantes dos centros urbanos ou, ainda mais grave, morar em áreas de risco, absolutamente inaceitáveis nos dias de hoje num país com tantos recursos como o nosso.
Possivelmente o prejuízo material e social não afetou o caro leitor e talvez ninguém próximo de você, mas será que não há relação entre aquelas ruas alagadas na sua cidade e você? Os centros urbanos em sua grande maioria são muito adensados em termos de moradia e comércios, e por tabela tem cada vez menos áreas verdes. As áreas verdes como praças e parques são como grandes superfícies permeáveis às águas pluviais, contribuindo para o não alagamento das cidades em dias de chuvas mais intensas. Outra infraestrutura urbana imprescindível para as cidades são os canais, que originalmente foram pensados e construídos para canalizar as águas das chuvas, mas que infelizmente, e cada vez mais, servem como esgotos a céu aberto recebendo dejetos diretamente das edificações, que poluem essas águas e que acabam indo para os rios e lagos de nossas cidades. Os dejetos sendo despejados diretamente nos córregos e canais são crimes ambientais e acontecem diariamente na vista de todos.
Uma particularidade dos canais ou riachos canalizados é que eles aumentam a velocidade das águas pluviais, pois as paredes que fazem a canalização quase sempre são de concreto e lisas. Os corpos d´água urbanizados são intervenções por vezes necessárias, mas isso também pode vir a ser um problema, seja para os trechos não canalizados, que podem transbordar com mais força, seja por arrastar com mais violência qualquer objeto que entre em contato com a água, e, por conseguinte, mais difícil de salvar pessoas e animais que acidentalmente caiam nessas correntezas.
Pensando um pouco na esfera privada da drenagem urbana, nossas casas e edifícios precisam contribuir positivamente para essa macrodrenagem decorrente das enchurradas. No edifício ou na casa onde cada um mora há ou deveria existir uma parte de solo permeável às águas pluviais, é o que a legislação chama de “solo natural”. As áreas de solo natural, além desse contributo para os períodos chuvosos, se forem superfícies cobertas de vegetação, como jardins e quintais, tem a função de diminuir a temperatura das nossas edificações e das nossas cidades como um todo. A partir do momento que minha moradia não tem área de solo permeável, toda a água das chuvas que vão para as vias públicas e calçadas tendem a acumular além da capacidade de drenagem das bocas de lobo e canais levando aos alagamentos de ruas onde existe pavimentação, e muito pior que isso gera um verdadeiro caos nos locais onde não há pavimentação e nos pontos mais baixos das cidades. Aqueles noticiários cotidianos dos danos causados pelas fortes chuvas anuais nas cidades podem estar tendo uma parcela de culpa de cada um de nós, por estarmos atentos a esse aspecto do nosso espaço particular e que interfere diretamente na coletividade urbana. Está chovendo aí agora? Então confere para onde estão sendo canalizadas as águas de onde você está e se você tem como mudar essa realidade nos espaços que você frequenta. Se precisar de ajuda técnica, pode contar com a gente, pois as causas coletivas urbanísticas são uma grande paixão nossa. Como diria um pensador anônimo, é bom ficar atento, pois “se você não é parte da solução, é parte do problema”.
Rodrigo Lucas, Arquiteto e Urbanista