Por Vinícius Gomes – jornalista
Pela primeira vez eu fui vítima de racismo – de forma mais acintosa. As situações veladas sempre aconteceram, claro, vivemos em um país que tem essa praga em suas veias, mas da forma como ocorreu, foi a primeira vez. Eu demorei a escrever esse texto porque precisava processar tudo o que ocorreu e, como minha ética profissional exige, tentar ouvir o outro lado, mesmo tendo sido a vítima da situação. Mesmo assim, acho fundamental compartilhar o ocorrido para alertar sobre o despreparo ainda existente em relação ao assunto.
Há alguns domingos estava com minha família em uma unidade de um grande centro de atacarejo já conhecido por episódios assim em outros estados. Fizemos as compras necessárias e encontramos um amigo, que fazia o mesmo e prontamente nos ofereceu carona – o que foi muito bom. Pagamos, tudo dentro dos conformes, e seguimos para o estacionamento com as compras, onde eu iria guardá-las no carro do nosso amigo.
Depois de guardá-las, como cidadão minimamente educado que tento ser, levei o carrinho de compras ao lugar onde ele é destinado. Ao voltar, me direcionando para entrar no carro, fui abordado de maneira altamente desrespeitosa por um vigilante que fez a seguinte afirmação “este procedimento não é permitido aqui”, com um tom autoritário e repressor. Constrangido e atônito, meio que sem resposta, só pude perguntar “qual procedimento não é permitido, fazer compras?”. Ele me olhou de cima a baixo em segundos, viu que eu estava “bem vestido”, reconheceu que havia se equivocado e saiu em disparada.
Muito provavelmente estava procurando por alguém que cometia delito. Eu sei que determinadas funções precisam ter muita cautela e atenção, como é o caso do vigilante, mas porque abordar uma pessoa negra dessa forma? A probabilidade de ser um bandido seria maior? Socialmente, infelizmente sim, já que atitudes opressoras como estas durante a história contribuíram para a marginalização do povo negro, como já sabemos, excluídos por muito tempo de tratamentos humanitários em nossa sociedade. Mas o fato de me abordar quase com a certeza de que eu era o procurado retrata como o racismo estrutural faz parte da nossa rotina e nem percebemos – a não ser quem passa.
E isso é algo que deixa marcas. Se sentir sempre observado, com receio de ser abordado novamente. Sensação de inferioridade. Graças a Deus, durante minha vida me preparei muito para evitar que esses impactos me atingissem, já que reconheço o meu valor e nada me abalaria. Porém, ver que comportamentos assim ainda são frequentes, e passar por eles, trazem um choque de realidade imenso, pois já passou de ser inaceitável. Até quando seremos segregados? Quando o respeito vai ser o padrão? Quando nos sentiremos seguros de usufruir o direito de COMPRAR sem o risco de ser confundido com um bandido?
São questões profundas e que renderiam um longo debate. Finalizo o artigo compartilhando que, como esperado, não tive retorno efetivo algum sobre o caso, fora o tímido pedido de desculpas do gerente quando liguei denunciando. No canal específico para denúncias desse tipo na empresa, desde o dia 20/02 o status é “Encaminhado para análise”. Não é surpresa pra mim. Ser esquecido na avaliação de um formulário é pouco perto de séculos de esquecimento, desrespeito e discriminação durante a história.
Infelizmente uma realidade que parece ter sido superada, mas, ainda há muito que ser trabalhada.