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Sabia que cego pedala?

As cidades podem ou não serem inclusivas e acessíveis, dependendo dos elementos que compõem com sua infraestrutura urbana. Para além de simples rampas dispostas em alguns pontos da cidade, a acessibilidade é um conceito muito mais amplo, indo desde a caminhabilidade de seus espaços e edifícios públicos, mas contemplando ainda sinais de trânsito sonoros e piso tátil nas calçadas para pessoas com deficiência visual e baixa visão, sinalização para crianças e idosos, pavimentação das calçadas em material adequado para circulação de cadeirantes, etc.

Um município com boa acessibilidade propicia a equidade entre seus cidadãos, tratando de forma diferente àqueles que são diferentes, e, desse modo, tornando a cidade mais democrática por permitir que cada cidadão, independentemente de sua condição física, exerça seu direito de ir e vir por todos os espaços de uso comum no município.

Quanto mais acessível a localidade, mais inclusiva ela é, mas a inclusão urbana é um outro conceito mais abrangente. Inclusão urbana é a capacidade de atender bem a todos os munícipes sob diversas particularidades, e para não estender muito nesse entendimento, vou citar apenas um exemplo em relação ao aspecto da habitação. A questão habitacional no nosso país deixa a desejar sob diversas especificidades, entre elas o fato de quase sempre as morarias populares serem cada vez mais distantes das áreas comerciais, isso faz com que uma boa parte da classe trabalhadora passe horas no transporte público diariamente para simplesmente ir e vir do trabalho, tornando essa população desfavorecida por morar longe de quase tudo que a cidade tem a oferecer. Some-se a isso o fato de alguns indivíduos que moram nessas periferias serem cegos, cadeirantes, pessoas com deficiência, então a distância passa a ser mais um obstáculo, tornando esses indivíduos quase excluídos do convívio social, a cidade não permite, ou dificulta bastante, a inclusão dessas pessoas, portanto tornando esses indivíduos sub-cidadãos. O acesso à cidade e seus benefícios não é para todos, infelizmente.

Diante de tantas desigualdades sócio-espaciais, ficar de braços cruzados aguardando pelo poder público nas suas mais diversas esferas pode não ser a melhor das escolhas… então, o que podemos fazer hoje? Acreditamos muito que a sociedade civil é tão responsável quanto o poder público em relação a essas e outras problemáticas e defendemos que o nível de cidadania de uma sociedade depende muito da consciência cívica de cada cidadão diante dos desafios da sociedade e as associações de moradores, entidades filantrópicas e fundações podem fomentar iniciativas que incidem de forma positiva no corpo social.

Nesse sábado estamos encerrando a “semana da pessoa com deficiência intelectual e múltipla”, e para concluir essa reflexão trago um bom exemplo de iniciativa vinda da sociedade civil organizada. Nesse domingo dia 28, será oportunizado aos cidadãos caruaruenses e oportunidade de presenciar e se engajar numa ação muito interessante: um passeio ciclístico de cegos! Talvez o caro leitor pense: E cego pedala? Para a surpresa de muitos, informo que sim!

Amanhã acontecerá em Caruaru o primeiro passeio ciclístico adaptado para pessoas cegas ou com baixa visão, que é uma iniciativa da Associação Caruaruense de Cegos (ACACE), e contará com a participação de um grupos de pedal assistido de Recife e ciclistas e grupos de pedal aqui da cidade, como os Falcões, e com o apoio da prefeitura. As pessoas cegas e com baixa visão irão pedalar em bicicletas duplas, tipo tandem, que comporta dois ciclistas de uma vez pedalando de forma sincronizada, sendo o ciclista da frente uma pessoa com visão, e no assento traseiro, uma pessoa cega ou com baixa visão. Esse tipo de bicicleta pode transportar também pessoas com outros tipos de deficiência, de modo que viabiliza a experiência de pedalar para algumas pessoas que nunca pedalaram na vida em função de suas deficiências. Esse passeio ciclístico irá contar com a disponibilidade de 10 bicicletas duplas e outras tantas que desejarem participar dessa importante e pioneira iniciativa na região, e pretende ser o primeiro de muitos pedais dessa natureza. Para além do lazer e da atividade física, essa iniciativa pode fazer com que que as pessoas cegas passem a utilizar a bicicleta ainda como um meio de transporte no cotidiano, quebrando a barreira da mobilidade motorizada que até então era a forma predominante dessas pessoas se deslocarem pela cidade.

Rodrigo Lucas, arquiteto, urbanista e ciclista!

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