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Verdades que não te contam: ingenuidade política

A política é uma contínua construção humana da gestão da vida em sociedade, baseada principalmente no uso da linguagem, da comunicação, do debate, do relato de acontecimentos, prevalências de interesses e construção de caminhos. Ocorre que nesse mar da comunicação, pior do que as famosas “Fake News” que nos contam verdadeiras mentiras, são as verdades contadas de forma antiética e que desejam jogar com a ignorâncias e apatia da sociedade, afinal, é possível noticiar muita coisa que aconteceu, mas optar por narrativas em que, não importa se o fato é verdadeiro, o que importa é como ele será contado induzindo as pessoas a adotarem lados, históricas, e inclusive a adequar aquele discurso tendencioso aos seus anseios e julgamentos pessoais.

Lembro-me de uma fotografia veiculada do Príncipe Willian do Reino Unido, em que fazia um gesto de aceno para uma pessoa, sendo fotografado em angulação que levou a entender se tratar de um gesto obsceno, no entanto a foto tirada de outro ângulo mostrou a realidade nua e crua do gesto. O que isso nos mostra? As verdades existem, elas inclusive são expostas, mas a escolha da lente ou angulação pela qual você vai observar um fato político implicará no quão tendenciosa e prejudicial pode ser a forma como reproduzem a verdade.  Vejamos algumas dessas “verdades”:

1º. O STF atribuiu aos Prefeitos e Governadores o poder de criar regras para pandemia

Não é bem assim, a mídia não passou como deveria, bem como não é bem verdade que o Presidente tenha ficado de mãos atadas por causa da decisão do STF. Na verdade, o Supremo na ADPF 672/2020 e na ADI 6.341/2020 apenas fez valer o que já consta na constituição quando aponta nos artigos 23 e 24 que compete à União (governo federal), aos Estados (governos estaduais), e aos Municípios (prefeituras) cuidarem da saúde, executarem políticas públicas, e aos respectivos legisladores criar leis, respeitando assim o princípio da predominância do interesse, onde cada esfera de governo poderá estabelecer normas para a pandemia observando peculiaridades locais e regionais, dinâmica do comércio e da população, afinal seria muito difícil uma norma vir do governo federal respeitando especificidades de cidades longínquas e tão diversas. 

2º. O STF obrigou a instalação da CPI da Pandemia no Senado contra o Governo Bolsonaro

Mais uma verdade mal explicada. É notório que os bolsonaristas não queriam sofrer o desgaste político de uma CPI, como qualquer governo não gostaria, já viram CPI no seu Estado ou Município? A CPI foi solicitada à Mesa do Senado pelos Senadores Alessandro Vieira (Cidadania/SE) e Jorge Kajuru (Podemos/GO) que atenderam aos requisitos previstos no artigo 58, parágrafo 3º, da Constituição, no entanto, como o Senado ficou omisso ao requerimento de abertura da CPI, os senadores acionaram o STF por meio do Mandado de Segurança nº. 37760/2021, e através de decisão liminar, o Ministro Luís Roberto Barros entendeu que, abrir ou não CPI não é uma questão de vontade da presidência do Senado, mas um direito dos senadores que preenchendo requisitos da constituição possam cumprir com o seu papel de legisladores fiscais do Executivo.

3º. Renan Calheiros não quer encontrar Lula pois deseja ser imparcial na CPI

Tudo bem que a imparcialidade é o que todos gostaríamos no trato da coisa pública, mas deixemos claro que, não existe neutralidade política, principalmente quando o personagem “defensor da imparcialidade” é o Senhor Renan Calheiros, que teve Lula no palanque de seu filho (Renan Filho) em 2014, já em 2017 recepcionou com seu filho o ex-presidente em Alagoas, pregando inclusive uma possível continuidade lulista. Renan foi Presidente do Senado Federal nos tempos áureos do governo lulista de 2005 até 2007, quando renunciou ao cargo após denúncias de corrupção, bem como no período petista com Dilma, de 2013 a 2015 e de 2015 a 2017. Calheiros “Pai” é adversário político em Alagoas do ex-presidente e Senador Fernando Color, que é aliado de Bolsonaro, bem como não gozou do apoio do governo bolsonaristas para garantir mais uma temporada à frente do Senado Federal em 2019. Ou seja, Renan Calheiros traz consigo interesses políticos, parciais, partidários e de seus antigos aliados, onde de lulista ele só não tem o nome, mas está banhado por essa relação;

Pois é, a simplificação das frases prontas, com base em futurologias, sem expor por vezes, elementos técnicos, científicos e fatos que fundamentam uma frase, fazem com que você leitor seja vulnerável à vontade de quem cria a narrativa com base em verdades que por sí só não acusariam nem trariam por vezes  condenações, no entanto, em nossa frágil e ignorante democracia, até os mais diplomados usam dessa estratégia, almejando moldar a opinião pública quanto às suas compreensões da verdade exposta. Observando as verdades acima questionadas, fica claro, governos federais, estaduais e municipais têm deveres e responsabilidades quanto à gestão da crise da pandemia do Covid, o STF até então não tem influído diretamente na delimitação das normas e medidas sanitárias, a CPI foi uma provocação de senadores, e certamente ela não agrada bolsonaristas, principalmente quando é conduzida e composta por maioria de parlamentares que claramente são parciais e contrários ao atual presidente, cenas que se repetem, quando lembramos da CPI do Mensalão petista ou da própria condução do impeachment de Dilma.

A pandemia escancara nossa fragilidade ao uso oportunista do saber, poder e noticiar, subjugando principalmente aqueles que estão fora das mesas de decisão política e econômica, pessoas que pela lógica do trabalho, necessidade e tempo, só lhes resta “comer” as notícias prontas condutoras do julgamento político do momento, no levando a crer que está tudo bem, ou de que em algum desses episódios a democracia está sendo defendida, claro engano!

Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário de Ciência Política e Direito Constitucional. Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, Pesquisador do Grupo “Cidades Transparentes” do Labô da PUC/SP.

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