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30 anos da Lei de Cotas: Avanços e Desafios

Os 30 anos da Lei nº. 8.213/91 demonstram que tempo de existência não representa tempo de amadurecimento e realizações, afinal, a inclusão social de pessoas com deficiência ainda é um desafio que o brasileiro não comprou como seu, preferindo abraçar as pautas mais populares e panfletárias da atualidade, mas não compreendendo que, enquanto pessoas com deficiência não são naturalizadas e inseridas plenamente em nossos cenários de trabalho e convívio cotidiano, continuaremos apenas com direitos no papel, mas sem nenhuma efetividade quanto ao seu propósito, afinal, direitos sem efetividade são meramente palavras para um futuro incerto.

Chegar aos 30 anos é uma experiência fantástica, digo por experiência própria, no entanto, dizem que os trinta por vezes vêm acompanhados com uma crise de idade, afinal, é o completar de três década e passamos a repensar quais os objetivos traçados e alcançados, bem como, quais caminhos devemos percorrer para fazer com que a vida saia do planejamento e se revele na prática, olhamos para esse novo ciclo como uma oportunidade de aceleração, autocritica, revisão e execução de tudo o que foi deixado pra segundo plano.

Em 24 de julho a lei que estabelece cotas para pessoas com deficiência chegou a essa idade de reflexão, que no caso deve ser feita por nós, o povo, responsável pela sua criação. No seu art. 93, a Lei nº. 8.213/91 estabeleceu a obrigatoriedade que empresas com 100 ou mais empregados reservassem e ocupassem de 2% a 5% das vaga/cargos de trabalho com pessoas com deficiência, criação de norma que objetivou principalmente a inserção desse público no mercado de trabalho formal, quebra de preconceitos no processo seletivo das empresas, tirando essas pessoas da invisibilidade laboral e cidadã.

Ocorre que, a obrigatoriedade de cotas, agora com 30 anos, ainda é uma realidade de pouca efetividade no tocante à empregabilidade, levando em consideração que, tendo o Brasil apontando no último censo, cerca de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, constatou-se que apenas 440 mil estavam empregadas segundo o Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018, ou seja, menos de 2% dessa população, mesmo existindo um excedente de 400 mil vagas oferecidas para PCDs, porém ainda desocupadas.

E quais seriam os fatores que justificam esse número tão reduzido de pessoas empregadas e de vagas ofertadas se levarmos em consideração o quantitativo de pessoas com deficiência? Podemos dizer que, uma lei perde em efetividade quando não encontra acolhimento na sociedade, no empresariado e na atuação estatal, resultando em belas palavras sujeitas à “boa” vontade de cada personagem social.

Sim, é certo que os auditores do trabalho ligados à estrutura do governo federal, são responsáveis pela fiscalização e monitoramento das empresas na oferta e cumprimento das cotas previstas em lei, no entanto, a existência de autuações, multas e penalidades administrativas representam medidas que deveriam ser as últimas a serem implementadas quando falamos de criação de uma cultura inclusiva e emancipatória para pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Sentimos falta de prefeituras e governos estaduais romperem com a medíocre visão de separação de atribuições e transferência de responsabilidade, e passem a efetivar a competência de “garantia das pessoas portadoras de deficiência” lá prevista nos artigos 23 e 24 da constituição, não se restringindo a questões de saúde ou a ainda deficitária educação inclusiva. Sim, passos já foram dados com a lei de cotas, mas ainda não conseguimos romper com preconceitos e obstáculos comuns à essas contratações.

Antes de auditores multarem, é necessário que a administração pública mude as lentes com as quais enxerga, e comece a entender que, transporte público sem acessibilidade, calçadas esfaceladas, serviços que não observam as diversas deficiências existentes, secretarias de trabalho que não se empenham em fazer o link com o empresariado, inexistência de cursos de capacitação voltados para cada especificidade, não implementação de cotas dentre seus cargos comissionados, publicidades sem representatividade desse público, orçamentos mínimos para essa pauta, profissionais não treinados nem conscientizados de que as diferenças vão muito além de raça, cor ou sexualidade, perpassando também pela forma como cada pessoa enxerga, ouve, se movimenta, age e exerce sua atividade cognitiva.

Parto da ideia de que, a multa até então vem sendo ineficaz, visto que se escolhe a responsabilização ao lugar do incentivo e da criação de uma nova cultura, que deve ter no Estado o seu provocador para que chegue à sociedade e ao empresariado. A lei precisa ecoar na sociedade, e o poder público precisa entender seu papel nesse processo, compreendendo que, além de ampliar orçamento para essa questão, ou age de forma intencional no processo de fiscalização, fomento e sensibilização da lei de cotas, ou teremos mais exposições de números que não observam a realidade.

Temos pessoas com deficiências diversas, realidades sociais distintas, muitas já abraçadas pelas políticas de assistência, saúde e educação, no entanto, nesse processo de garantia da cidadania a todos, a empregabilidade não pode ser um tema inexpressivo, a ocultação dessas pessoas do cenário não pode ser a regra, precisamos ver pessoas com deficiência sim, nos bancos, supermercados, construtoras, hospitais, no ensino, na pesquisa, na cultura, na moda, nos veículos de comunicação ainda muito pautados pelos padrões dominantes, precisamos ver gabinetes de prefeitos, deputados, vereadores, governadores com essas vagas asseguradas, precisamos sair da hipocrisia de que é mais fácil multar do que adotar uma cultura inclusiva na práxis de quem já recebe dinheiro público para cuidar do público.

Você me pergunta: Mas o que falta para essa inclusão Caio? Como essa lei chegará de fato à maturidade? Falta um sociedade que fuja ao olhar do coitadismo e da solidariedade de momento, e que abrace a cultura da inclusão e empregabilidade como algo normal e relevante para o aprimoramento dos serviços e produtos e serviços que fabricamos, vendemos e consumimos, inteligência em olhar para a riqueza das diferenças somada a oportunidades de mercado, faltam políticos e empresários que optem por falar menos e efetivar mais direitos, adotem tecnologias assistivas, entendam acessibilidade além da reserva da vagas, promovam ambientes inclusivos, escolham qualificar ao lugar de ignorar, assegurem uma cidade e espaços de trabalho com infraestrutura de acolhimento, falta olhar pessoas como pessoas.

Caio Sousa
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Ciências Jurídico Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialista em Direito Municipal, Pesquisador do Labô – PUC/SP.

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